domingo, 27 de julho de 2008

baixa-te, dá-lhe …manda-lhe um murro nos…

… e assim se passaram vinte e dois dias em Luanda; uns bons outros maus, outros bem pelo contrário.
Algo se apoderou de mim, já não consigo raciocinar normalmente; dou comigo a dizer e pensar coisas inimagináveis á vinte e dois dias atrás.
O meu cérebro dividiu-se definitivamente, agora uma metade é africana, a outra é europeia.
A luta dos meus neurónios, será não deixar que cada metade avance muito e monopolize a casa.
Convém, pois, estar atento a esta guerra fraticida, não é tarefa fácil; A metade do meu cérebro europeu vê tudo ao pormenor, não facilita; é a internet lenta, é a sujidade, é a miséria …; a outra metade até já considera um luxo a casa onde mora, o pequeno esgoto do passeio a céu aberto, umas horitas de trânsito para o trabalho…
Quando viajar a Portugal a metade europeia deverá despertar, acredito eu, mas sei lá…imagino-me ás vezes na av. da liberdade, lá em braga, em hora de ponta a descer a toda velocidade pelos passeios, a passar os vermelhos todos, a não dar prioridade a ninguém, a apertar as ambulâncias, a atirar latas pela janela…enfim.
Sexta feira á noite; ilha de Luanda. Voltei a jantar no restaurante do portugûes. Desta vez foi para despedida da família reis, que vai de férias a Portugal.
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A mulher está feliz da vida…não cabe de tão contente…só foi pena não ter conseguido embarcar nessa noite; coisas deste país… até a minha metade africana bocejou; não é que com bilhete comprado, confirmação carimbada, a companhia aérea taag deixou em terra cem pessoas!
Não, não eles não chegaram atrasados…passageiros de última hora e com direitos superiores aos comuns mortais conseguiram a proeza de viajar por substituição dos meus companheiros. Dizem as más línguas que …” foi necessário trazer pessoas importantes ao funeral de alguém igualmente importante … vocês sabem do que estou a falar …” e por ordens expressas de alguém não menos importante, substitui-se os passageiros á entrada para o check in. Sim senhor.
“baixa-te, dá-lhe …manda-lhe um murro nos…, vai buscar a cadeira e acerta-lhe …” pensava a minha metade africana enquanto assistia á revolta e agressão de um dos passageiros preteridos. ”O gajo tem razão, mas também não era necessário aquela violência ao funcionário da taag…” despertava a minha metade europeia.
Talvez por estas e por outras o espaço aéreo europeu é interdito a voos daquela companhia aérea angolana.
Bom, como está bom de ver, fui buscar ao aeroporto a família reis e levei-os até ao “chill-out” para descontrair o reis, a mulher e o filho, que pareciam abatidos.
Este bar é sofisticado, junto ao mar, com praia, aberto, musica a bombar, bom ambiente, muitos tugas, mas a entrada é de rir e chorar por mais…
Centenas de pessoas a querer entrar barradas pelos porteiros; tipos importantes, cheios de peito, que escolhem indiscriminadamente as pessoas para entrar; senti-me uma criança no tempo do ciclo que queria entrar nas discotecas e não tinha idade; valia sempre a boa vontade e humor do sr. porteiro.
Aliás o porteiro aqui, é de facto uma pessoa importante, penso até que configura um perfil capaz de substituir á última hora passageiros no aeroporto; está nesse lote de pessoas de peso.
Como ninguém entrava, excepto aqueles a quem o sr. porteiro apontava o seu dedo com poder magistral, resolvemos falar com sua reverência, o porteiro, e convencê-lo das nossas virtudes; sua santidade, o porteiro, foi então sensível aos nossos argumentos; por magia, quais predestinados da vida, desfilámos pelo acesso á entrada como heróis; invejados por uns, amaldiçoados por outros, mas lá nos foi concedido tal desiderato.
Anyway, a última vez que jantei no tal restaurante português foi com uma companhia de peso, lá do Minho, Vizela. Confesso que já tinha saudades de ouvir falar alguém daquela zona.
Partilhar o mesmo sotaque é mais relaxante, sentimo-nos em casa; e depois o Raul e a mulher, sendo amigos desde os tempos da cowboiada, da minha xinha e do meu cunhado zé nog, quando ainda namoravam, passa a ser meu amigo também.
Com efeito, encontrei um tuga divertido e simpático, com sentido de humor e que até já leu os meus posts.
“daqui a um ano…vais-me dizer se ainda pensas assim…” disse-me ele.
“porquê? sou muito comedido …” ri-me.
“não não, é que se as coisas não fossem assim, como são, (leia-se ‘más’), não podíamos ganhar... o que ganhamos…estar aqui...” retrucou o Raul.
“bem pensado…” a minha metade esquecida observou.
“eu, não quero que mude nada…absolutamente nada” afirmou o Raul convicto. Fez-se-me luz, confesso.
O Raul é prático, o que pensa diz, mas quando fala comigo vejo nos olhos dele, de certa forma, um reviver das coisas que também passou quando cá chegou. Ainda tem muito para contar…
Já cá anda há cerca de seis anos, é proprietário de umas lojas e armazéns na zona de s.paulo; tem agora cinquenta e tal aninhos, mas não os aparenta, nem física nem mentalmente.
Lembra-se de mim vagamente talvez com os meus sete, oito anos ainda em Felgueiras; lembra-se bem do meu dad and mom e das conversa que mantinha com ele. "gostava muito de falar com ele..." lembrou o raul.
Na verdade prometi-lhe, embora muito muito muito vagamente, que aquela parte da conversa era off-record, que naquele momento não trabalhava no “crónicas da terra ardente”, mas enfim o ‘crónicas…’ não é pressionável, é rigoroso e independente, atento á verdade das coisas, e depois, já se passaram mais de vinte anos sobre os factos ocorridos.
“ó pá, sabes estou convencido que a… até terá sido… digamos…  elaborada... num acampamento que a malta fez lá no norte, num parque campismo… é que o teu pai… não facilitava a coisa quanto a liberdades… e as raras oportunidades naquela idade… sabes como é...” confidênciou o Raul.
“pois então não sei…pá… eu na altura, era dama de companhia, presença obrigatória, imposta, do tipo fiscal; o meu pai lá sabia das coisas... mas desconhecia o meu já precoce espírito angolano, pois ia recebendo ‘gasosa’ para os… deixar… falar sozinhos á vontade; ou era uma bola, ou outra coisa qualquer que me fizesse... digamos... andar distraido...ocupado” concluí.
Mas ainda bem que as coisas são e foram assim mesmo, caso contrário não tinha o enorme prazer de ser, como sou, pasme-se...tio-avô.
A conversa estava boa, os temas variados, mas o que me fez rir, a propósito da capacidade que o povo angolano tem para sobreviver, foi quando o Raul me disse…
“ó pá no verão quando chove … isto não se pode andar … as estradas ficam alagadas… só mesmo de jipe; o problema é que quando estacionas como é que sais sem te molhar até aos joelhos?” continuou “os gajos tem duas soluções…em cada uma tens que desembolsar uns kuanzas… na primeira os gajos põe umas pedras grandes, ou baldes no meio da estrada… tu paras o carro e vais pisando os mesmos até chegares ao passeio…com equilíbrio.”
“então e a segunda?”, eu perguntei interessado.
“bem a segunda é um gajo levar-te ás cavalitas até ao passeio” riu-se ele.
Gostei, confesso que gostei.
Fiquei a imaginar a cena… ás cavalitas do angolano.
Fantástico.

sexta-feira, 25 de julho de 2008

… véndí pau di cabinda …

Tudo na vida é subjectivo … tudo na vida é uma questão de perspectiva.
Os meus pontos de referência alteram-se todos dias; vou conhecendo novas situações, novas experiências, novas realidades; as coisas começam a tornar-se um hábito; começo a relativizar algumas situações.
Assim vou ganhando, dia após dia, o hábito de ver as coisas como elas são; a comparação entre as diferentes condições de vida, vão-me dando conhecimento de outras realidades; subalterno umas, relativizo outras, engrandeço ainda outras.
Porque conheço, tenho agora como ponto de referência outros valores; a minha perspectiva das coisas mudou, definitivamente;
A miséria a que se assiste, embora real, é de subjectiva apreciação, depende da perspectiva, da referência, do conhecimento e do hábito de cada um.
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Tenho assistido com muita atenção a tudo o que se passa nesta cidade única, luanda; do percurso para o trabalho aproveito para ver e assistir a tudo; não quero perder nada; o dia-a-dia das pessoas; esta cidade fervilha de vida; este povo tem uma capacidade notável para viver e sobreviver.
É bom recordar que a guerra passou por esta terra á muito pouco tempo, uns cinco anos; trinta e cinco anos de guerra civil; se juntarmos ainda os anos de guerra colonial, talvez uns dez anos, este país viveu em estado de guerra durante quarenta e cinco anos; estes anos todos transformaram a paisagem, as construções, as condições de vida, enfim as pessoas.
Mesmo assim mantêm a esperança, sonham, vivem e sobrevivem como ninguém.
Toda gente vende qualquer coisa; nas filas dos carros vendem de tudo, desde aspiradores, martelos, rádios, fatos de homem, bombas de gasolina; nas bermas dos passeios é frequente ver-se quatro ou cinco mulheres, vestidas com cores fortes africanas, a vender fruta tropical ou peixe; nos passeios da marginal, vendedores de revistas e jornais, de sandes, engraxadores, lavadores de carros; tudo está em movimento; àquela hora os míudos em idade escolar são às paletes, todos vestidos de igual, todos com aspecto bom, de criança, felizes da vida.
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Passo pelos mussekes, vejo milhares de pessoas, crianças a jogar á bola, a brincar com a ‘água’ nas valetas; “oh rapaz, não brinques nessa água, tem doenças ... cólera” parei o carro e gritei. “Ah num fais má … o patrão é du benfica …?”, ele perguntou. “intão é boavista..?”. na verdade pensei “o mantorras e o zé calanga são os culpados disto”. “não pá … sou do campeão”, eu respondi. “é du porto …eu támém…eu támém… mais só tenh esta cámisola du boavista”. “Está bem grande portista, menos mal, um dia trago-te uma assinada pelo quaresma, agora vai lavar essas mãos …”, eu disse.
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Os candongueiros, táxis de luanda, são às centenas, transportam o povo em carrinhas toyota de uns dez lugares; andam sempre acelerados, cheios de pressa; ouvi dizer que os motoristas são obrigados a fazer 150usd por dia, ou seja têm que entregar ao patrão aquela quantia, o que fizerem acima daquele montante, fica para eles, e isso faz com que transportem as pessoas com a maior velocidade possível; fazem de facto manobras dignas de assistir. A maior parte deles está num estado … bem, só visto;
hoje passei por um taxi candongueiro cravejadinho de balas; pareceu-me terem já algum tempo, a julgar pela ferrugem dos buracos, mas não sei não!
De regresso a casa, o tráfego é substancial, ‘in my rear view mirror’ uma ambulância desesperava para passar; ninguém facilitava muito; uns centímetros para a frente e tal, mas nada de abrir muito; eles lá sabem …; quando passou por mim, trazia atrás uma fila de gajos a aproveitar a brecha…; logo se gerou uma confusão monumental, ao terceiro aproveitador os meus colegas de fila atravessam-lhes os carros á frente, uns de lado outros de frente, outros esquinados, enfim tudo bloqueado.
Quanto a mim, optei pela via verde, carro no passeio, uns bons trinta metros, e passei a confusão; mais á frente perto da zona portuária, um camião enterrado no meio da estrada; caiu num buraco com um metro e meio; a traseira estava no ar e a frente mergulhada; magnifico.
Aprendi que nas estradas, os buracos podem não ter tampas.
“doutô já comeu funxi com muamba?” perguntou o motorista Nelson. O facto de ainda não ter comido aquelas coisas, e ser hora de almoço, fez-me crescer um desejo ardente de comer aquilo que conheço e que tanto gosto, lá de casa;
“doutô tá vendo áquela mulhés áli no passeio … véndí pau di cabinda … sabi o que é?” ele perguntou com um riso de orelha a orelha. “quando tivé 40 anos vô tomá … “ foi dizendo.
Aquele número de certa forma incomodou-me, ecoou-me no cérebro, qual sineta a assinalar a última volta na pista; “épá ó Nelson, então … quer dizer… eu tenho 39 anos … e dizes tu que que só tenho uns míseros meses de … digamos … boa saúde …” eu disse. O motorista Nelson soltou uma gargalhada estridente durante pelo menos um minuto.
“nã doutô … bem doutô tauvez não, só aos 45 anos ou mesmo aos 50” consolou-me ele; menos mal, menos mal.
Mesmo sendo uma pessoa informada e com uma saúde de ferro, estas coisas não deixam de perturbar um bocado; é que há brincadeiras e brincadeiras….
O Nelson estava imparável, fazia anos, feliz da vida; “doutô sabi como se concórri a um concurso público em Luanda? … são apresentadas três propostas ao funcionário público, o chinês aprisenta 3 milhões, poix um milhão para o material, um milhão dji mão-de-obra e um milhão dji luuucro, … depois vem o português e dá 6 milhões, são dois de mão-de-obra, dois de material e dois de luuucro …, finalmente o angolano dá orçamento de 9 milhões … eita tanto dinhéro, diz o funcionário público”, disse o Nelson a rir-se “; continuou “3 milhões para si ( funcionário publico), 3 milhões para mim, e 3 milhões para o chinês fazer o trabalho” ele concluiu.
A boa disposição do Nelson era bem patente; mas aquele bem estar trazia água no bico; “ah … douto dá para você mi dispensar amanhã … vô fazer a festa di anos …e… podji sê” ele perguntou;
Lembrei-me do que os tugas mais experientes nestas lides me disseram “épá segura os gajos, se não eles abusam”.
Em todo caso achei ainda não ser altura certa para disciplinar o rapaz e em boa verdade apetece-me andar a conduzir sozinho; e depois há certas coisas que só se sabe havendo um certo ‘bem estar’ do motorista; relata-me tudo o que se passa na empresa, ao nível do pessoal, do que dizem, dos segredos que só eles sabem, das práticas de uns e de outros; verdadeiras crónicas do ‘cochixo’; gosto de manter-me bem informado.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Parabéns Jonny

Um especial abraço para o meu afilhado e sobrinho que hoje atinge a maioridade. Rapaz que sinceramente muito admiro, não porque tem sucesso no teatro, não porque venha a ter muito sucesso no que quer que seja, mas porque no presente, sozinho, vai á luta pelos seus sonhos; lutou desde os seus catorze anos para alcançar o que realmente queria; construiu e fundou uma companhia de teatro , a SÓCENAS teatro, com apenas quinze aninhos.É obra.

Hoje é já uma instituição conhecida na cidade, que efectua espectáculos de teatro por todo distrito, que efectua cursos de formação a crianças e adolescentes; conseguiu apoios de actores relevantes no panorama do teatro português, das instituições do estado, das empresas privadas. Parabens sr. presidente da Sócenas. Keep Going.

Com essa capacidade de luta, persistência, rectidão, e com a simpatia com que se dá a conhecer ás pessoas, mas também com a determinação que imprime aos seus desejos, teu será o mundo que escolheste, e mais do que isso, serás um verdadeiro homem.

www.socenas.com

terça-feira, 22 de julho de 2008

Não é um ferrari ... mas a cavalo dado ...

 

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domingo, 20 de julho de 2008

Já não me apanham com essa cantiga ...


Sua reverência, o sr. primeiro-ministro, licenciado em engenharia, com destacada nota de curso na disciplina de inglês técnico, tão apreciado no seu pais pelos enormes feitos realizados em prol da melhoria do nível de vida do povo português, fez o obséquio de visitar Luanda, capital do país que certamente lhe tem servido de bom exemplo.

Julgo mesmo que, por este caminhar do estado das coisas, Portugal tornar-se-á brevemente numa espécie de Angola europeia, tal é a admiração que o sr. eng. nutre por este país. As semelhanças até já começam a fazer-se sentir.

Discursou na FILDA (feira internacional exposições) onde o pavilhão de Portugal se fez destacadamente representar por algumas empresas nacionais; encontrei lá portugueses, de braga, amigos meus, que lá foram para ver se ‘chove’ qualquer coisinha, “é que a coisa em Portugal está … digamos …negra …”.

Estavam desiludidos, não pensaram que a coisa fosse assim … como é na realidade. Iludidos pelo que se fala em Portugal, pensavam tratar-se do el dourado … da nova esperança …enfim.

O caminho entre o aeroporto e a FILDA foi elucidativo, disseram, três horas de filas em estrada de terra esburacada que atravessa uma zona infindável de nojeira absoluta, barracas, esgotos, lixo; e pronto foi o suficiente para os fazer repensar.

Está pois comovido ( o sr. eng.) com a melhoria no crescimento económico deste país, ímpar no mundo, ele disse.

Fiquei a saber o que é que o nosso primeiro-ministro considera um modelo de desenvolvimento, e devo depreender que ele achará ainda não ter feito tudo para que o rosto dos portugueses seja, assim tão ‘feliz’ quanto o dos angolanos.

Estamos desejosos por tal felicidade, mas lá chegaremos sr. eng., lá chegaremos com o seu engenho e a nossa complacência.

A visita de tão proeminente figura do estado português, nada teve a ver com a FILDA, ao contrário do que oficialmente foi anunciado. Digamos que esta exposição não mereceria tal maçada.

Mas enfim… a verdade é que o bpi recebeu guia de marcha de angola, o millenium a mesma coisa, a cimpor já tinha recebido … e o sr. eng., qual relações públicas dessas empresas, veio a Luanda, para ver se, pelo menos, consegue que não nos tirem a roupinha interior.

A verdade é que aquelas empresas foram ‘tomadas’ pela economia do estado angolano; fizeram-lhes uma ‘oferta’ que não podiam recusar. Munidos do ouro negro já compraram 9% do Millenium Portugal, maior banco privado português; têm a tv cabo na mira … já agora podiam aproveitar e levar também o slb, digo eu.

Na verdade os dirigentes deste país, e com toda a legitimidade, querem colonizar o país que os colonizou; isso sente-se, respira-se essa vontade, e o povo gosta. Se ainda por cima vem cá o sr. eng. e dá rasgado elogio ás politicas do governo, pois melhor ainda, até dá jeito para as eleições de 5 de Setembro próximo.

Sexta-feira, 12h resolvemos então ir á FILDA ver o que se passava; rumamos desta vez a norte, pela estrada de ‘viana’ de angola, cerca de 10 km; chegamos lá quase 4 horas depois; fresquinhos e relaxados; pelo caminho respiramos o mais puro ar, desfrutamos das mais belas paisagens, fiquei convencido a fazer novamente aquele percurso, confesso.

Conheço metade da cidade de Luanda, o ‘sul’, agora o ‘norte’, mas ainda tenho esperança no sentido rumo a ‘Este’. Em todo caso, tenho por adquirido de que encontrarei um local apetecível, rumo a Oeste.

Hoje, resolvi dar uma voltinha, como sempre faço, pela marginal; logo apareceram os meus amigos; miúdos simpáticos, que ganham a vida a vender coisas da mais variada espécie, a lavar carros, a engraxar sapatos, enfim a lutar pela vida.

Hoje consegui engraxar os sapatos apenas uma vez; á boa maneira antiga têm uma caixa de madeira pequena com todo material necessário onde se coloca o pé e toca a engraxar; normalmente, ou melhor, quase sempre, não tem troco …”é o priméro sapato que faço óje patrão, num tem troco” ; os malandros já não me apanham com essa cantiga, é que já não sou assim tão ingénuo; em todo caso faço-me de ‘tótó’ e dou-lhes sempre o troco; se pedem 50 kw dou-lhes 200 kw e pronto lá servirá para ganharem mais qualquer coisa extra e que tanta falta lhes deve fazer. Todos os Tugas me dizem para não dar nada, por isto e por aquilo, mas não tenho remédio, sinto necessidade de o fazer;

Depois é a disputa por tomar conta do carro; aparecem quatro ou cinco; “ eu vi primeiro doutô …”; outro argumentam com a inépcia do colega “ele não toma cónta vai já bázá ..”; outros ainda dizem “doutô á mim inda não déu …”; bom confesso ser tarefa difícil averiguar e ponderar todas as razões individuais dos miúdos; sinto-me um juiz a decidir sem provas; mas lá vou dando a este e áquele, á vez, e em conjunto; esfolam-me vivo essa é que é a verdade.

Mas gosto sinceramente deles; um rapaz para os seus doze anitos e que até era parecido com o mantorras, jogador do clube quarto classificado do campeonato português, ficou de trazer uma bola para eu ver como ele era bom, “gostava di jugar na álemanha …” ele disse; espero nos próximos dias uma verdadeira demonstração de habilidade futebolística do miúdo; parece-me que vão aparecer uns vinte para a demonstração; vai uma aposta?

“doutô, num fica muito tempo lá no computadô fais mál, fica nervoso…tem que ir com calma”, esticou os bracitos. Pois não é que o miúdo tem razão, neste país é obrigatório ter paciência e esperar, esperar, esperar; “nada é tão urgente que não possa esperar um mês”.

“então mas jogas em algum clube de Luanda, ou quê…se queres ir para a alemanha jogar… tens que treinar muito, num clube” eu disse. “nã doutô num tem tempo … quero ir para a alemanha”.

Todos estes miúdos sonham e alguns, poucos, lá conseguirão um dia realizá-los. Têm que ter sorte, como de resto para tudo na vida é necessário ter.

Aprendi outra coisa importante, esperar. Simplesmente esperar. Devo dizer que tenho desesperado, mas começo a adquirir aos poucos o ritmo das coisas. Desde que cá cheguei, e já lá vão 14 dias, tenho pedido uns simples extractos bancários para ver se começo por algum lado; pois não é que ainda não vieram; como os correios não funcionam, tem que se mandar lá o motorista.

Num dia normal o motorista sai ás 14 horas vai ao banco e só chega ao fim da tarde, perdido no caótico transito; como tem outras tarefas a coisa não tem sido possível; ao terceiro dia sem extractos mandei uma ‘boca’ á chefe administrativa aqui do tasco, ao terceiro e quarto a mulher desapareceu, não a vi, ao quinto dia pedi-lhe novamente os extractos, ao sexto a mesma coisa, ao sétimo já estava a ferver, ao oitavo estava decidido a manda-la pró … até que ao décimo segundo comecei finalmente a perceber o problema; é que ao mesmo tempo que pedi extractos pedi também outras pequenas coisas, e claro baralhou, nunca mais a mulher se lembrou do extracto, nem do c… mais velho, nada. Estou curioso para saber qual vai ser a próxima desculpa.

Aqui temos que fazer um pedido único por mês, e durante esse mês insistir sempre, pedir muitos extractos, mesmo que não precise deles, até a coisa ser interiorizada; só depois de bem solidificado esse conhecimento, então sim, podemos partir para novo pedido.

Uma das desculpas mais usuais para faltar ao trabalho é o estado de luto; ou é o irmão, ou o primo ou o tio; aparecem lá com uma camisola preta estampada com a palavra ‘saudade’, e pronto toca a sair. Os funerais, ao contrário de Portugal, proporcionam uma oportunidade de participar num banquete, é simplesmente uma questão cultural. Nada contra.

O meu motorista foi ao hospital, porque de noite, entrou uma areia para um dos olhos; já não aparece á dois dias. Por mim até foi bom, aproveitei para praticar condução, em versão angolana.

O problema é estacionar, pois os miúdos, não me largam, não há parques e o carro tem que ficar em terceira linha. Peço aos miúdos para me avisarem assim que houver um buraco para meter o carro, esfolam-me mais uns kuanzas, mas quando a coisa começa a ficar preta, quando alguns carros querem sair e não podem, a coisa começa a tomar proporções grandes, os miúdos vão-me avisar ao escritório, e resolvo o problema, colocando o carro em segunda fila.

Chegar á primeira linha é a minha grande ambição de todos os dias.

Estou convencido que quando se fala em transito caótico, as pessoas pensarão num tipo de transito semelhante ao de Lisboa em hora de ponta; mas não não, não é esse tipo de transito, é por exemplo ir numa estrada com duas faixas para cada lado e de um momento para o outro ter que parar, estancar o carro porque vem todos na mesma direcção contra mim, utilizando as quatro faixas integralmente num só sentido; é claro que de repente tenho uma fila de carros á minha frente contra mim; ficamos todos parados, os candongueiros esgueiram-se por todo lado.

Em todo caso já aprendi a meter o carro á má fila; a técnica é encostar o carro até um cm de distancia do próximo, meter a frente e não deixar ninguém se meter, venha ele da direita ou da esquerda, tendo sinal verde ou vermelho, comigo, agora ninguém entra ‘carágo’.

Começei por usar uma técnica defensiva pôr-me totalmente á direita, os gajos passam pela esquerda e apertam-me até eu ter que parar; adoptei depois a posição á esquerda, passam todos pela direita e na corrente não consigo sair para lado nenhum; tentei esperançado adoptar á táctica mista, colocar-me no meio, e consoante o rumo da coisa optar por um dos lados; nenhuma técnica resultou, era sempre cilindrado; comecei recentemente a usar a técnica angolana do cheguei primeiro; não interessa se lá cheguei por cima do passeio ou em sentido contrário, interessa é meter a frente primeiro, apontar o carro, obrigar os que se apresentam pela direita a suplicar para entrar e mesmo assim não os deixar passar.

Quando penso que ganhei uma posição numa rotunda para a qual já ninguém consegue passar pela direita, o passeio é tomado e forma-se nova fila paralela á minha; isto é o dia-a-dia, sem qualquer exagero.

sexta-feira, 18 de julho de 2008

...Ele não é bom nem mau, é simplesmente inteligente.

Confesso que não fico indiferente á miséria que se vê por todo lado; Angola até não será dos paises piores nesta matéria, no entanto incomoda-me o sofrimento que todos dias vejo estampado nos rostos de muitas pessoas de Angola; isso faz-me pensar. Faz-me pensar que somos simplesmente e apenas aquilo, que nos foi permitido ser; nada mais.

Sou daquela espécie exótica de pessoas que acredita que as coisas são o que são porque uma sucessão de eventos determinou esse caminho, essa trajectória, e não por mero acaso ou nossa escolha.

Temos a ilusão que alteramos o rumo das coisas, puro engano, as coisas não são alteráveis com a nossa intervenção, embora assim pareça quando tomamos uma decisão. Somos aquilo que um complexo sistema gerou com todas as suas variáveis.

Quando escolhemos um caminho, julgamos ter o poder de decidir; no entanto a decisão está condicionada por um sem número de variáveis; ela (a decisão) na realidade não surgiu de nós independentemente de tudo; não, ela surgiu na dependência de tudo que nos rodeia e que nos rodeou desde de que nascemos.

Só enquadrado dentro desta perspectiva, compreendo porque existe sofrimento gratuito e desgraças permitidas; só assim compreendo porque existem milhões de crianças, bébés, a morrer, de fome, de doenças evitáveis ou abusadas ou escravizadas se elas nada fizeram ou escolheram. 

                       


Só assim compreendo, que Deus não tenha alternativa e permita tais desgraças; Deus não pode de facto intervir, não tem outra opção. Ele não é bom nem mau, é simplesmente inteligente. Traçou inicialmente um rumo cujo final depende do seu linear e previsto respeito pelo caderno de encargos; e assim, cíclicamente se vão perpetuando as coisas.

                      

Apercebi-me, aqui em angola, mas também no darfur, na somália, no quénia, em moçambique, que existem pessoas que também sonham, que também pedem, que também rezam pelos seus filhos. No entanto de uma coisa temos a certeza, 60% das crianças daqueles países morrerão antes de atingirem os cinco anos de idade, independentemente de rezarem, pedirem ou sonharem. Por que raio haveria Deus de olhar pelos europeus, pelos norte americanos, atender ás suas súplicas e rejeitar as mesmas dos paises mais pobres?

                       


Deus não é concerteza racista; tão-pouco se importará da forma de rezar, ou do credo adoptado; não, Deus não pode definitivamente intervir, tudo faz parte de um sistema cujo final desconhecemos, mas que Ele conhece; tudo está previsto, tudo está determinado, nada pode ser mudado do seu projecto inicial, nem aditado, nem subtraído ao caderno de encargos.

Resta-me pois a esperança de que nesse traçado inicial, na elaboração do livro da vida, tenha sido escrito um capitulo que contemple uma melhoria para o sofrimento destas gentes e destes povos.

“…é preciso que tudo isto aconteça para se cumprir o que está escrito”.

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Operação Ninja ...

Domingo de manhã.

Resolvemos rumar a Luanda sul para conhecer a zona de Talatona e o novo shopping. Tomei as rédeas, e fui eu a conduzir com Ivan ao lado; tivéramos um cavalo e seria mais fácil de lá chegar.

Nenhum de nós sabia ao certo o caminho correcto. Voltamos a passar pela zona de Benfica, mas á medida que descíamos pela costa rumo a sul, a coisa ia melhorando em quantidade e qualidade, musseques e mais musseques, milhares deles, dezenas de milhar, talvez centenas de milhar.

Passamos pelos famosos "ninjas"; atiram a matar e depois desaparecem; são forças especiais treinadas pelos serviços secretos israelitas; combatem o crime de uma forma implacável; agem rápida e fatalmente sobre quem suspeitam; como um filme americano chegam de helicóptero ou outro meio igualmente rápido descem as cordas, abatem o que pretendem e desaparecem; são a grande dor de cabeça do povo angolano; é que já não se pode estar sossegado a praticar o santo oficio.

Desta vez estavam em motos potentes a falar com um desgraçado qualquer; vestidos de preto, tipo equipa swat; bonito de ver; fiz o gesto de tirar a máquina fotográfica…

“não pares … e se te mandarem parar estanca logo o carro e põe os quatro piscas… é que os gajos atiram logo … ”, disse o Ivan; confesso que passei o lápis azul da censura sobre o diálogo do Ivan; a julgar pelos impropérios proferidos, conheci quem poderia ser um verdadeiro homem do norte; épá sim senhor.

Outra coisa que aprendi é que, se eventualmente, atropelarmos um angolano, o melhor é não se parar e deslocarmo-nos directamente á polícia, entregarmo-nos; suou-me mal, devo dizer.

“então e não prestamos auxilio ao gajo … ?” eu perguntei ;

“não, nem pensar … juntavam-se logo uns vinte ou trinta… e de repente … sabe-se lá … podem … o melhor é entregares-te logo na esquadra … se for á sexta ou sábado, o melhor é ir só na próxima segunda-feira … não vão os gajos oferecerem-te estadia para o fim de semana” retrucou o Ivan com um riso sarcástico.

“ah … pois, compreendo, seria uma experiência incrívelmente negra” pensei.

Comecei mentalmente a rever todas as regras de boa convivência e sobrevivência em Luanda; autênticos tratados mentais; estou a pensar em escrever um livro para estrangeiros em Luanda “How to survive in Luanda in 1000 lessons”; seria concerteza um best-seller, talvez um bom negócio, quem sabe?

“tens a certeza que é por aqui? Perguntei desconfiado. “yá é por aqui pá”, disse o Ivan convicto.

Como está bom de ver não era; a ‘certeza’ daquele caminho valeu-nos uma viagem interessante com algumas vistas magníficas;

passamos pelo complexo de golf de Luanda; curiosamente não tem relva; será nova modalidade? Fiquei confuso, afinal de contas como se chamará o ‘green’, nesta nova modalidade?

Por fim lá encontramos o ‘Belas-Shopping’. Não queria acreditar, os acessos têm relva, estradas direitinhas, passeios, vivendas normais, prédios bons em construção; mais civilizado.





Por qualquer lado por onde se vá, existem empresas portuguesas de construção; soares da costa, mota-engil, teixeira duarte e de quando em vez a força bracarense com os casais e os eusébios.

Anyway, tinha saudades de comer um hambúrguer, e fui direitinho comer um mc bob. O shopping é semelhante, em termos de área, ao nosso bragaparques, tem oito salas de cinema (o indiana jones ainda não estreou), lojas assim tipo … jeitosas, um hipermercado bem apetrechado. Lá encontra-se tudo, até jornais portugueses, revistas portuguesas, embora com 15 dias de atraso; estive tentado a comprar a ‘maria’, confesso.

Esta zona de Luanda até seria uma boa alternativa para morar, não fora o facto de, para se ir trabalhar para Luanda centro, se demorar mais de duas horas no trânsito. As pessoas que lá moram levantam-se às 4.30 da manhã.

“Assim não, prefiro o meu cãozinho com pulgas”, pensei.

domingo, 13 de julho de 2008

Ao sétimo dia Deus separou o dia das trevas ...

A primeira semana na selva passou; ao sétimo dia Deus separou o dia das trevas e fez a noite de sexta-feira em Luanda, noite do homem; nessa noite a mulher ainda não foi criada; o homem exibe todas as suas costelas; sai sozinho com os amigos.

"Como é que é, bora lá ao Clube Náutico jantar?", disse o Ivan em tom marcadamente mou.. lisboeta. Apeteceu-me dizer-lhe "bámos meu carágo" mas não, contive-me.

Veio-nos buscar o Hugo, engenheiro da petrolífera Total, que está cá há um ano; simpático e agradável, boa gente; responsável por analisar e fazer estudos geológicos com vista a estimar o conteúdo dos terrenos e plataformas em termos de quantidade de "oilinho" que poderá conter cada exploração e respectiva qualidade do mesmo. Fiquei a saber mais qualquer coisa acerca da prospecção petrolífera; pode ser útil um dia.

O clube náutico fica na Ilha de Luanda logo á entrada; clube simpático, ambiente um pouco europeizado, esplanadas com vistas sobre a cidade de Luanda, muitos barcos e iates; Visto dali Luanda até parece, digamos, o que na realidade não é; mente aberta e imagina-se uma cidade potente, próspera e moderna escondida sobre a ilusão da noite. Vista dali parece Manhantan; talvez um dia …

Apareceu lá o Reis e proporcionou-se um jantar agradável; “superbock ou cristal?” disse o empregado; “pode ser uma Cuca, em Roma sê romano” eu disse. “o sinhor é di Roma” perguntou curioso o empregado; “não, é um ditado e tal …” forget it “uma Cuca se faz favor”.

Uma coisa que realmente aprecio nestes restaurantes é o sabor dos molhos; fico com a impressão que comeria solas com molho angolano; O empregado foi trazendo “cucas”, “pica paus” , “lagostins grelhados”, enfim tudo a que tínhamos direito. Perspectivamos umas viagens até África do Sul e Moçambique, outras até às cascatas do Malange.

“Amanhã vou experimentar o meu barco novo, vamos até á ilha de Mussulo?” perguntou o Hugo.

Para lá chegar vê-se mais do mesmo, continuamente miséria, sujidade, buracos, degradação total; uma coisa Luanda tem de invulgar, não há lugar onde aqueles adjectivos não tenham lugar. A melhor zona de Luanda, Miramar, a zona das zonas, the very best, onde estão a embaixada dos estados unidos entre outras, é distintamente melhor, tipo a diferença entre um cão com pulgas e outro com carraças. Eu estou no bairro azul, dizem ser uma zona habitada por generais e deputados; esta zona é uma espécie de cão com pulgas mas podem-se contar umas carracitas. Quanto menos carraças melhor é a zona. O que é que se pode fazer, não há melhor.

Passamos pela zona de Benfica, e pela primeira vez não fiquei surpreendido; a julgar pelo nome, já não esperava grande coisa; confirmou-se, é ainda pior que o clube que lhe dá nome.

O Hugo tem o barco numa marina particular da petrolífera francesa; “é de graça” ele disse.

A julgar pela quantidade de lanchas a Total tem mais de 400 pessoas a trabalhar em Luanda.

A lancha nova que o Hugo ia experimentar era na realidade uma lancha usada que ele ia experimentar, oitenta cavalinhos; confesso que averiguei para ver se tinha remos, não fosse a coisa dar de si, a julgar pela idade … enfim; “ah lá estão eles.. agora sim bóra lá” pensei.

Apesar de usada a lancha voava; muito fina para a idade. A viagem durava cerca de 20 minutos. Logo se começou a ver a ilha de mussulo; aquela ilha tem cerca de 30km de extensão; é realmente muito bonita, um mundo á parte; desembarcamos num dos muitos bares que a ilha tem, de nome “bar ssulo”; atracamos a lancha a uns 10 metros da praia; improvisámos uma ancora e mergulhamos até á costa.


Fomos recebidos por um bando de miúdas entre os 10 e os 16 aninhos todas vestidas no rigor africano, muitas cores, muitos padrões, a vender roupa semelhante; coisas bonitas; o Ivan comprou umas coisas; quanto a mim fiquei a ver como o negócio se processava; e é o costume regateando a coisa vai para metade.

Bom, a ilha é fantástica, mas a lagosta que comemos … bem tivemos que repetir. Como cá é inverno o Angolano tem frio e portanto não vai á praia. Os Tugas, esses, estavam lá em peso; qual frio; 28º de temperatura, sem vento é excelente para qualquer Tuga, mesmo para aqueles que não conhecem as praias do norte; para esses, nos quais eu me incluo, basta pensar nas nortadas em esposende ou vila do conde.

Á noite churrascada na casa do Hugo.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Parabens Margarida

margaTudo quatros e cincos na escola é obra. Fina como um alho.
A quem se sairá?

Gostei muito.

terça-feira, 8 de julho de 2008

Bom dia doutô

"Bom dia doutô.. vi suas camisa ná gaveta; engomei direitinho ... pu lá nu cabide."
"ha é ... obrigado senhora" eu disse. "ha doutô vi lá uma bousa ... deixei ná gaveta".
"boa porra a mulher descobriu a minha carteira" pensei। Corri disfarçadamente para o quarto, estava lá direitinha, deixou no meio da única camisa que não engomou. Gostei. Em todo caso já mudei a carteira 500 vezes de local; sou assim, não há nada a fazer; ás vezes fico irritado comigo mesmo por ser assim, mas não resisto a muda-la outra vez.

Bem, há três empregadas na casa, uma cozínha, outra faz a limpeza e outra lava a roupa; depois tem dois seguranças á porta da casa, um fora e outro lá dentro do pátio a ver televisão; autênticos rambos; feras intimidoras; digo-lhes sempre “bom dia senhor” e invariavelmente respondem “brigado doutô, brigado” (tinhas razão Lou)। Oito da manhã lá fora está o motorista Nelson á espera para me guiar pela selva urbana. Rapaz simpático, culto, 34 anos, cinco filhos (quer ter sete) estuda á noite económicas tipo curso médio.


“não quero ir prá Portugal tenho lá amigos e familiares e se lhes telefono a pagar no distino não aceitam; é porque não estão bem, não acha doutô”। Gostei da dedução, confesso.


O transito é qualquer coisa de assustador. Absolutamente caótico. Sem quaisquer regras. Não me atrevo a pegar no jipe para guiar um metro. Para andar 4 km demora-se uma ou duas horas. Ando espantado com isto, fiquei a saber que o seguro automóvel NÃO é obrigatório por lei. Portanto quando se tem um acidente um toque num outro carro a culpa é sempre do branco. Por mim está bem. Juro que não vou discutir.

O gasóleo custa cerca de 0,40 usd, uns 0,26 eur o litro. Oh Zé Eduardo , mais valia dá-lo. Angola é o maior produtor de petróleo de toda África; dois milhões barris por dia; dizem as más línguas que um dólar por barril fica com o sr. supra citado cujo nome shall not be spoken. Hoje o referido sr. resolveu dar uma volta pela cidade para ver as obras em curso, levou as damas de honor, cerca de duas mil, vestidas de verde, boina preta, óculos escuros, cheias de estilo. Sim senhor. Fez-me estar uma hora a apreciar o desfile. A dez metros do desfile uns carros davam a volta para ver se se esgueiravam por outra via. Há três anos quem se mexesse enquanto passa o (desfile) era agraciado com uma salva de fogo e umas festinhas, agora não, já se pode dar a volta, inverter a marcha, até dez metros; não convém abusar; podemos ofender as damas. Achei útil a informação. Não me vou aproximar das damas em desfile, “jamais”como diria o nosso Lino das obras pública.

A caminho para o trabalho passo por bairros do melhor que há। Vendedores ambulantes e rapazes deambulantes. “aah cuidado com o rapaz” disse eu ao motorista Nelson. Já não fui a tempo. Acertou em cheio no rapaz com uns 13 anos. Aquilo estranhamente pareceu-me ser normal. O rapaz nem discutiu; continuou normalmente. “Então Nelson o que foi essa mer... podias ter ferido o rapaz” eu disse. “ Não doutô, esses rapazes, quando vêm um branco no carro ficam testando, passando devagar á frente do jipe, o branco pára e depois vem outro e pumba, assalta; é á liamba”. “ Como sou ingénuo” pensei.

Outra coisa que aprendi é que não devo usar cinto de segurança pois tal é visto como sendo carne fresca europeia. Mas esta regra não é universal. Nas zonas más de Luanda tenho que usar cinto. “ F... ó Nelson não estou a perceber a lógica, afinal uso cinto ou não”. “Bem doutô nas zonas más vou ter que travar fundo e acelarar como aconteceu com aquele rapaz a um bocado e o doutô tem qui tar seguro”, ele disse. Pois, pois, é que não acerto uma.

Chego finalmente ao trabalho. Tarde como todos. Dependentes do humor do tráfego. Segundo dia de trabalho. O chefe supremo e todos os seus compatriotas foram para Portugal receber o líder religioso deles que vai estar em Lisboa; vai lá ficar mais uma semana; o director geral está quase quase a ir a Portugal, ansioso; diz que já não consegue ficar mais do que dois meses seguidos em Luanda; “dois dias e eu também já ía” pensei eu.

Encontrei a MALA

Encontrei a mala.

Afinal o problema não foi no aeroporto de Luanda, não, não; o problema foi num país do 3º mundo, a famosa "groundforce" empresa que gere as malas em Portugal.

Valeu-me a minha querida que os deve ter posto na linha. Ora aí está valente mulher.

domingo, 6 de julho de 2008

1º dia em Luanda

A viagem até correu muito bem ... pelo menos até chegar ao aeroporto de Luanda; cheguei num avião enorme da companhia aérea da africa do sul fretado pela TAAG; eram cerca das 19.00h e já estava completamente escuro, noite cerrada.

"ô senhor, senhor não é essa a fila o passaporte e o papel pra carimbar"; dei-lhe o passaporte e volta-e-meia formou-se uma fila de estrangeiros e eu que até era o primeiro passei para último. Pensei "aquele gajo ficou-me com o passaporte"; claro está que não tirei os olhos, de longe, daquele documento que o tipinho entretanto pôs para lá na mesa. E ainda bem que sou estive atento, porque quando chegou a minha vez, o tipinho pediu-me o passaporte; "já lho dei a bocado" disse; "pois então deve de ser este". Claro que não era, o tipinho tinha dado o meu passaporte a outro burro qualquer. Disse: "dass... pára tudo", ficaram todos a olhar para mim; revistei a fila inteira que tinha controlado préviamente, pedi os passaportes a todos, e um portuga qualquer tinha o meu. Resolvido.

"Passaporte, vacinas e papel" disse um chapado com o savinvi.
"Boa noite" eu disse.
" que vei fázê á luanda"; quanto tempo vai ficá; onde vai ficá"

Achei que a pergunta tinha água no bico e resolvi dizer o que tinha na carta de chamada.
"vim ... fazer uma auditoria financeira a uma empresa e tal"
"então vem trabalhá? precisa de visto de trabalho e não deste" retrucou o savinvi.

pensei: "prontos o gajo apanhou-me"
"bem, vamos lá ver, uma auditoria não é um trabalho" saiu-me esta incongruência.
"no grupo x e tal" continuei e "claro o principal objectivo é turismo"

depois de algumas trocas de impressões com o sr. fiscal da alfandega de Luanda, o tipo diz-me:
"bouli dar um conselho, o seu visto é prá turismo, num diga que é prá trabalhá."
"ha é?" pronto obrigado amigo.

Passando a entrada da alfandega, local que dá vontade de estar, passa-se a outro bem melhor; o das malas; um enxame de gente á espera das malas; só demorou umas três horas até chegar á conclusão que a minha, afinal, não era a última.

Tinha o director geral supostamente á minha espera lá fora e os telemóveis não funcionavam. A mala perdeu-se com tudo, tudo, tudo. Aconteceu a mim e a mais uns quatro. "bilete da mala pérdida" disse. Preencher formulários, descrever conteudo completo da mala, mais uma hora. lá consegui encontrar o dr. L V que á custa de umas "gasosas" conseguiu entrar no aeroporto e disse-me para não sair sozinho do aeroporto que depois me vinha buscar "telefone-me assim que acabar de preencher os formularios dos perdidos e achados" . Pensei "haverá algum motim lá fora, estou f...".

Estava tão furioso que mal saí daquele gabinete fui determinado para a rua sozinho. "doutô, eu levo á mala, cem dolar" outros metiam-se a frente. Lá encontrei os portugas á minha espera a pagar á negada a "gasosa" por nada; Carro, voltas, buracos e casa. Bairro Azul, um das melhores zonas de Luanda. Sem dúvida disse. Tendo por comparação aquelas imagens do afeganistão que vemos nos telejornais, então Luanda é, quiçá, um bocadinho melhor. O que é posso dizer da casa... fraquinha, fraquinha. Bom tem tvcabo, internet, e só isso é que é bom de resto... O Dr. I está cá há um mês e também habita a casa; parece habituado. Levou-me a dar uma volta de carro com um tal Reis, que está cá há já quatro anos.

Portas trancadas e levou-me a beber uma cerveja na ilha de Luanda. Bar "Chill Out" muita gente, alguns brancos, musica e pronto falar do apito dourado e tal. O bar tem bom aspecto, excepto a envolvente da ilha que é toda fraquinha, pronto muito má. Repetiam repetidamente que agora até melhorou bastante; não queria acreditar; que upgrade era aquele?; como é ser pior?. há pois é que só recentemente fazem alguma recolha de lixo; antes era junto nos passeios e queimado á noite. "Fantástico" pensei.

Fui para a cama contar "malas" para adormecer. Até dormi bem, pouco mas bem.

Dia seguinte almoço com o patrão licenciado em Economia. Almoço muito agradável num bom hotel, onde me contou todos os projectos do grupo. Mostrou-me o meu gabinete (bom) em instalação na marginal (bom). "Pois está muito bem".

No regresso para casa, com o director geral convidei-o a ir ver a casa. felizmente também achou que não estava nada bem, nem adequada. Não se preocupe vamos tratar de melhorar, ouviu, "épa, não se preocupe". "Acho muito bem", porque de facto não dá pé. Mas olhe que esta zona é das melhores.