domingo, 27 de novembro de 2011

O mistério do prego caído… padre zé.

 

«Ai que prazer
Não cumprir um dever,
Ter um livro para ler
E não o fazer!

Quanto é melhor, quando há bruma,
Esperar por D. Sebastião,
Quer venha ou não!

Grande é a poesia, a bondade e as danças...
Mas o melhor do mundo são as crianças,
Flores, música, o luar, e o sol, que peca
Só quando, em vez de criar, seca.

O mais do que isto
É Jesus Cristo,
Que não sabia nada de finanças
Nem consta que tivesse biblioteca...»

Fernando Pessoa

 

Braveheart (Bh) – Então Ricardo que fazes aí tão concentrado?

Ricardo (Rb) - Ahh, Braveheart, estou a ler uma cena interessante nos escritos de Fernando Pessoa.

Bh – O quê?

Rb – Um texto acerca da liberdade… ora vê.

Bh – Epá, Ricardo, isso é interessante, mas Fernando Pessoa não intuiu bem a coisa…

Rb -  Qual coisa?

Bh -  A coisa acerca de Jesus Cristo não perceber nada de finanças.

Rb – Achas que percebia?

Bh – Acho. A sério, fez-se-me luz agora que li esse texto, Cristo afinal de contas percebia muito de finanças pá. Vê bem, Cristo deu o exemplo, para memória futura, nas bodas de Canaã... inflacionou o vinho e o pão quando estes acabaram...

Rb – ehehe ganda maluco Braveheart. Que ideia!

Bh – Claro meu, vê bem, ele não disse aos convidados para beberem menos ou comerem menos, nem para comerem apenas uns e beberem outros; quer dizer, se o dissesse não havia bodas mas sim um açambarcamento por parte de alguns e mal estar geral por parte de quase todos…

Rb – Não inventes Braveheart. Só faltava agora os padres começarem a associar ideias económicas dessas nas homilias…

Bh – Homilias, olha que boa ideia. Que boa parábola! vou telefonar já ao nosso irmão padre zé pró gajo falar sobre estas coisas na homilia de natal…

Bh: Alô zé, já conheces aquela?… que Cristo sabia de finanças quando inflacionou o vinho nas bodas?
Padre zé: O quê? Tens que vir cá no natal Braveheart, urgentemente, estás a precisar de pôr a cabeça em ordem.

Bh: Caraças pá, estou a falar a sério. Como é que Cristo resolveu a falta de vinho no casamento de Canaã? ahh? e a cena da falta de pão no monte das oliveiras? ahh?

: Fez o milagre da multiplicação do vinho. Mas não acrescentou água ao vinho pá; era isso que estavas a pensar, creio [não espero outra coisa de ti].

Bh: Não porra. Sabes que acredito em quase tudo Nele... mas ele sabia de finanças. A sério zé. Qual água no vinho qual quê!?... quer dizer, não sei, na volta botou água no vinho, mas, enfim, não é isso pá; o ponto é que Ele inflacionou o vinho, percebes?


: Tás maluco!? Ele gerou vinho. Acrescentou ao que não existia. Não esticou o vinho [nem lhe deitou agua]. Um milagre, portanto.
Bh: Pois é isso, gerou e nem precisou de o fabricar porque é Deus, mas ouve, não achas que isso tem uma certa semelhança com os dias de hoje!? quer dizer, o BCE – a imprimir notas – a inflacionar a massa monetária – a poder satisfazer os países pobres. Ahh?

: Pá, ouve, Braveheart, desculpa lá, guarda essas teorias para as nossas sextas, tenho que preparar a missa; agora não tenho tempo.

Bh: Ó zé, vá lá, falas sempre nas mesmas cenas nesses teus discursos domingueiros. Ouve, aproveita, sobe ao púlpito e fala sobre a inflação do vinho, meu. Vou aí no natal ouvir-te e tudo.

: Não. Não me apareças na missa, que fico acabrunhado. Ou se apareces não me digas e senta-te lá ao fundo quietinho… e não levantas o braço, nem me acenes, muito menos faças aquela cara de riso quando levanto a taça do sangue de Cristo.
Bh: Ok, vou lá para o fundo, do lado direito e vou vestir-me de vermelho... vivo. 

: Epá, não. Queres que diga que Ele inflacionou o vinho, é isso?
Bh: É. Por agora chegava isso... depois, talvez, possas fazer do Exemplo a conduta a seguir pelo BCE e…

: Está bem pronto, vou dizer isso já neste domingo.
Bh: Estás a mentir-me.

: Eu não minto Braveheart, já sabes disso.
Bh: hmmm, então porque é que puseste herdade do perdigão no copo da celebração, quando dizias que aquilo era simbólico e o sangue de Cristo e não-sei mais-o-quê…

: São coisas diferentes, e depois foste tu que me ofereceste a garrafa. Achei que devia usa-la na melhor altura e em honra da melhor Coisa.
Bh: Pois pois zé. Percebo-te bem. Vê lá não inflaciones o perdigão na taça de celebração ao Senhor… e te esqueças de falar sobre a inflação do vinho feito Exemplo nas bodas de Canaã.

 

Bh – Bem, Ricardo, parece que convenci o nosso padre zé a falar sobre o assunto.

Rb –Nãaa. Não acredito, ele comprou essa estapafurdice?

Bh – Claro, não sabes Rb, são os pequenos exemplos que nos fazem ver a luz…

Rb – Ó Braveheart, ainda se intuísses que Ele percebia de Alquimia, porque transformou a água em vinho, agora, veres nisso um exemplo de boa governança e finança, parece-me, digamos, uma bocadinho coiso.

Bh – Pamordeus Ricardo, não estás a ver a coisa bem vista, vê bem, Ele é uma génio financeiro e…. aiii, porra, liga a luz, porque é que me deste um estalo?

Rb – Eu? não, não fiz nada, mas…

Bh – Fogo Ricardo, tiraste outra vez o prego da mão direita do crucifixo.

Rb – Não pá, deve ter caído… é cruz velha, sabes?

Bh – hummmm!

 

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quarta-feira, 9 de novembro de 2011

…incertos monstros feitos em pós de certezas

 

Não nasci em Braga no ano de 1963. Esta é a mais pura das verdades. Também não nasci nos cinco anos seguintes, nem em Braga, nem nos arredores. Aliás, nem sequer nasci em Braga.

Quem alvitra que nasci em Angola ou Moçambique, erra por um hemisfério de distância. De resto, enunciar aqui todas as localidades em que não nasci ocupar-me-ia por uns bons meses, correndo, ainda assim, o risco de não ser exaustivo. O certo é que era Outono, Outubro, dizem, e o sol estava prestes a finar.

Animado pela decadência do calhau celeste, predispus-me a contraria-lo, como sempre – a contrariar – e vir à luz, por obras dos ímpetos mais tardios do meu saudoso pai vindo das guerras além mares. Para o efeito, havia que ajuntar-me ao que ele somou e, finalmente, desembaraçar-me de minha santa mãe. Por via disso, sensivelmente nove meses depois, lá me apresentei eu à rampa de lançamento. Armado dos meus 3 quilos e qualquer coisa, fui duma audácia sem limites: lancei-me neste vale de lágrimas disposto a tudo. E, sobretudo, a vender caro o riso das sortes.

Desde então tem sido uma odisseia. Uma luta entre pares, eu e as sortes. Neste momento, aliás, navego entre a espada e a parede, bem no meio, entre a cruz e a caldeirinha e entre o Indico e o Atlântico num tormentoso cabo de incertezas.

Não há decisões fáceis quando a deriva é incerta. O certo é incerteza e o incerto a certeza que temos. Porém, o exemplo torna certa a coisa incerta e transforma a coisa incerta na certeza de a vencer. Por isso a luta é justa. As sortes são certas, mas o engenho é divino.

Eu vi-os, com os meus próprios olhos, prostrados nas montanhas do cabo, os incertos monstros feitos em pós de certezas que o nosso glorioso Bartolomeu Dias fez questão de me fazer ver…

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                                (Cabo da Boa Esperança)                                                                         (Cape Point)

 

… e são, enfim, esses pequenos grandes nadas feitos no exemplo dos gloriosos, que me dão certeza que não há incerteza que não possa ser vencida.

 

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