quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Em nome do Pai

 - Em nome do Pai...-


Olhando pelo retrovisor, em retrospectiva, várias foram as vezes que, por impulso, maltratei o meu Pai em palavras, mais ou menos violentas, dependendo do assunto pendente. Dizem que é mais grave do que o pecado da murmuração que, per si, já seria digno de castigo eterno e 'ranger de dentes'.


Chamar nomes à mãe Dele não foi o pior, garanto-vos. Mas não deixa de ser anedótico, agora visto à distância, destratar a mãe d'Alguém que não foi criado, nem gerado... nem parido.


A minha falta de julgamento e inteligência leva-me a estas situações. Se acontece algo de mal na vida,  o Cabrão que  não ajudou e calou-se com irritante persistência levou sistematicamente com as culpas. Por omissão. Má vontade.


Tenho-O em boa conta e, nesses períodos conturbados, esperaria um braço amigo.


Não só não mo estendia como renovava as malfeitorias com mestria e assiduidade de um relógio suíço. Renovava-Lhe os votos, incrementando o tom e a virulência dos ataques ao Seu bom nome.


Recentemente tudo mudou. 


Percebi que a percepção que eu tenho da realidade é diferente da própria realidade. Aquilo que eu esperaria que não acontecesse não se conformava com a verdade e, portanto, se Ele tivesse correspondido aos anseios que eu clamava, estaria Ele a cometer um erro. E Deus não os comete.


O que tenho eu a oferecer-Te que Tu não tenhas?


Podia oferecer-Te a minha alma mas isso seria apenas uma intenção inconsequente, já que nem sei como isso se faz. Mais a mais, não a tens porque não a queres. Até ver. E mesmo quando a reclamares, e eu sei que a vais reclamar, eu não sou tido nem achado nessa decisão. Por isso não Te posso oferecer o que de mim não depende.


Podia oferecer-Te dedicação e muitos pais nossos e avés marias mas não gosto dar graxa, muito menos de repetir entoações sem pensar nelas.


Podia oferecer-Te em exemplo de pessoa justa e correta, abdicando de todos os vícios que me perseguem e defeitos que me assaltam, a começar por poder ser um bom pai, um bom marido, um bom filho. 


Se Tu não foste bom Pai para mim porque raios haveria eu de conseguir sê-lo? A menos que o julgamento que fiz de Ti esteja equivocado.


Talvez sejas bom afinal de contas e a percepção que fiz de Ti errada. Os sentidos e a lógica limitada podem estar a fazer-me concluir uma coisa e ela ser exactamente o oposto. 


Não foste Tu que disseste que no sonho daquele desesperado as duas pegadas na areia que subsistiam eram as Tuas que levava o desesperado ao colo?


Não foste Tu que disseste que escreves certo por linhas tortas?


É a esperança que me dás. Estares a fazer o que é certo e bom para mim sem eu conseguir alcançar o efeito.


Mas admito essa possibilidade, agora. Aliás, não só admito como começo a ver-lhe a forma. E até , se queres que Te diga, começo a perceber o quão equivocado estive durante estes anos todos. 


Começo, em boa verdade, a perceber que ainda vou a tempo de renascer na Verdade. Pior seria se me deixasses emerso na mentira até velhinho, corcumido, infezado, num meio hipócrita.


Creio já ter aprendido a lição, oh Pai. Se a aprendi mal ou bem, não sei, não sou capaz de discernir mas, para todos os efeitos legais, Tu é que foste o professor.


Podes enviar já um raio que me parta, mas isso não faz o teu gênero. Habituei-me às tuas subtilezas e à Tua forma de proceder para me ensinar. Sempre pelo caminho mais difícil, parece claro, mas cá estarei para enfrentar o que quer que seja que nele encontre.


Deves saber que as verdades que Te digo são sentidas e genuínas. Podias escolher vias menos difíceis para me ensinar, mas deixo isso a Teu critério. Olha, pelo menos podias começar por facilitar um bocado nos efeitos secundários dos medicamentos que às vezes tenho de tomar para esta ou aquela maleita. Se a bula diz que a probabilidade deste ou daquele medicamento causar o sintoma x é muito rara, ao ponto de só admitirem 0,001% de casos, podias fazer com que eu não caísse nessa percentagem. 


Não é por nada mas, Ouve, eu já nem leio os efeitos secundários normais. Nem na aspirina. Passo logo a ler os muito raros que estão normalmente no fim da bula.


 E isso, como deves compreender, é cansativo. Queria poder ter os efeitos secundários normais em toda a sua potência e majestade.


Pelo menos, olha Pai, quando mudar da fila de trânsito parada da esquerda para a direita que está a correr melhor, não ponhas a primeira a andar mais rápido. Dá a ideia que fazes de propósito.


Mas se tiver de ser, que seja feita a Tua vontade.


.

Sem comentários: