quinta-feira, 1 de setembro de 2011

Modernidade…

 

Não sei bem se é defeito meu. Talvez seja. Mas há coisas para as quais não tenho pachorra. É verdade. Há coisas que me irritam tão profundamente… coisas menores, ainda assim, vampirizam-me o bem estar.

Não me refiro ao transito; para esse mal, encontrei um antídoto eficaz que faz de mim, para a maioria dos angolanos que me vê passar, um verdadeiro maluco dentro de um carro. Gesticulo, esbracejo, abano a cabeça e reviro os olhos, como um verdadeiro maestro, e embalo-me na estória da melhor música jamais realizada – Mozart, a sinfonia nº41 ‘Júpiter’ – um assombro. Ou essa ou aquela heavy dos Rammstein – Du Reisht; a intensidade é semelhante.

Mas enfim, na verdade, a irritação advém de outro lado. Da modernidade. Esta modernidade de se estar a falar com alguém e esse alguém nos dizer que está bem que pode ser mas que lhe mande um email com o que acabei de lhe dizer e que depois falamos.

Irrito-me. Melhor, fico solenemente irritado. Sou assim, não há volta a dar. Principalmente quando estamos a falar com alguém e, de repente, ouvimos esse alguém a levantar um tijolo, coloca-lo ao ouvido, e a pedir implicitamente, senão mesmo gestualmente, que me cale, que o outro que está do outro lado (também ele com um tijolo) tem precedência relativamente à minha pessoa. Por uns tempos acreditei ser uma precedência derivado à urgência, mas acabo hoje por achar que é mesmo uma procedência sobre a ética.

Irrita-me também, já agora, a esse propósito, o síndrome do tijolo a tocar. Uma doença da modernidade que nos faz colocar a mão nos bolsos a ver se é o nosso tijolo ou se é tijolo alheio que geme. E paramos todos, param as conversas, para a reunião; os olhares e a atenção vão para se saber aquilo que é de facto importante, qual de nós é o dono do tijolo vibrante… quem é o pai da criança?

Irrita-me ainda muitíssimo mais, mesmo de forma doentia, quando recomeço a dizer - bem pá como estava a dizer… - e a porra do tijolo do escutante recomeça a vibrar. Não pá, atende lá, está à vontade, pode ser que seja eu a querer falar contigo (quase ninguém entende a subtileza, é estranho).

Depois irritam-me os emails dirigidos a mim mas com conhecimento de toda a gente da via láctea. Muito mais aqueles que não são dirigidos a mim mas aonde o meu nome é incluído no rol de testemunhas do que um quer dizer ao outro.

Portanto, vamos falar com alguém. Esse alguém a meio da conversa atende o tijolo. Quando consigo acabar de lhe dizer o que me levou a falar com ele, o gajo diz-me para enviar um email. Envio o email com os meus melhores cumprimentos (seco e lacónico) e ele acusa a recepção devolvendo cumprimentos sinceros. Envia-me outro email a dizer que não percebeu bem. E para que o universo saiba que ele não percebeu bem ou eu não me expliquei da melhor forma, envia uma cópia para o universo, para pessoas que eu próprio nem sei quem são.

Eu envio-lhe outro email a dizer que o enviado era sequencia da conversa que tínhamos tido. Ele responde que não se recorda bem do conteúdo (pudera). Eu replico que ele pode passar pelo gabinete que eu terei o prazer de lhe avivar a memória. Ele vem ao gabinete e mal entra vibra o tijolo e eu digo-lhe - vais atender ou queres que te explique o caralho do assunto que te trouxe aqui -.

Pronto irrita-me. Irrita-me mesmo quando põem o tijolo no silêncio. Vrrr Vrrrr Vrrrr espera aí Ricardo que tenho que responder a este gajo. Responde pá. E ele responde.

Agarrado ao tijolo, imprime uma velocidade nos dedos fantástica a escrever as mensagens; espanta-me aquele despacho; quando acaba, eu digo-lhe - dass pá tens dedos maravilhosamente ágeis, guarda-os bem, quando fores velho vão ser a tua arma -. Às senhoras não digo o mesmo, mas apetecia-me.

E responde alguém no universo - Vrrr Vrrr Vrrr - e replicam à resposta da resposta da pergunta inicial mais uma vez, com os dedos agarrados ao tijolo e olhar lunático preso ao ecrã. Mesmo quando o tijolo não geme, o lunático olha para ele e mexe-lhe. Bloqueado, Desbloqueado. Pim Pam. Flip Flop. Aceso, Apagado. Pisca pisca. Abre fecha. Para cima para baixo. On Off.

Eu observo. E parecem-me todos alienados. Às vezes dou comigo numa reunião aonde metade das pessoas estão a falar com o tijolo e a outra metade a olharem uns para os outros. Olham para cima, para baixo. O tempo está mudar. Alguns não resistem e também eles tiram o seu próprio tijolo, mesmo que ele não vibre, e olham para ele como o fazem os maluquinhos quando olham para o horizonte fixamente…

… outros fazem-no porque sentem apoio moral com o tijolo na mão, outros porque precisam do tijolo para fingir que estão ocupados, outros ainda para não ter que falar e revelar a sua própria essência. Eu sei lá.

Qual é o jogo que te absorve pá, digo. Ficam desconcertados. Jogo? Não era suposto ele estar absorvido com um jogo no meio de uma reunião em que metade das pessoas está com o tijolo no ouvido e a quase outra metade com o tijolo na mão. Era suposto ele estar a debitar, quando muito, mensagens e emails sobre coisas sérias… teorias sobre séries estatísticas, ou a despachar assuntos prementes.

Porque não a jogar? Ao menos quem joga tem algo de normal dentro do género da modernidade.

Pronto, está a jogar, não quer falar enquanto os outros falam com o tijolo, está no seu direito, mas também não está ali a disfarçar que faz qualquer coisa séria com o tijolo.

Portanto, enquanto os outros falam com o tijolo, das duas uma, ou estamos na presença pessoas do género humano para falar, ou tiramos o tijolo e com o som bem alto jogamos o tétris ou o golf o o space invaders… e quando todos acabarem de falar com os respectivos tijolos pedimos, com a devida calma, para esperarem um bocadinho que estamos quase a bater o record…

 

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