Luanda é uma cidade invulgarmente caótica.
O transito, a falta de electricidade, o difícil abastecimento de combustível, a falta de limpeza, o excesso de gente, os cheiros do fumo dos carros e dos esgotos e dos assados mesmo ao lado…
A cada esquina que dobramos somos confrontados com atitudes e situações cuja compreensão só atingimos se as encararmos com um piscar de olho.
A marginal está a ser esventrada e revolvida para se parecer com a marginal de outra cidade qualquer, no entanto, ninguém sabe quando ou se as obras terminarão.
Até lá, o ex-libris da capital continuará com os coqueiros secos e a morrer e o lixo a acumular-se na praia.
Luanda projecta novos centros comerciais para o centro e, em vez de assumir que a EDEL (a nossa EDP) lhes deve fornecer energia em qualidade e quantidade suficientes, prepara-se para adquirir grupos geradores capazes de abastecer o empreendimento e o bairro à volta. O falhanço é um dado a priori, o que não deixa de ser irónico para estes projectos ambiciosos.
Os esgotos entupidos levam a que se façam derivações em torno das obstruções mais obstinadas ou, em último recurso, que se abram fossas nas caves ou nos quintais.
Quando estão cheias, chamam-se carros para as limpar, aspirando as lamas pestilentas para as cisternas. Ao fim do dia, estes mesmos camiões aproveitam uma sarjeta insuspeita para despejar o que foram limpar, entupido os esgotos noutra parte da cidade com as lamas que depressa fazem uma argamassa impermeável.
Os geradores têm trabalhado 24 horas por dia e a água tem de ser comprada em camiões cisterna que enchem regularmente o deposito subterrâneo lá de casa. A agua vem directamente do rio; as empregadas da casa garantem que deitam lixívia no deposito… mas não sei, penso que devem esquecer-se muitas vezes. Por isso aquela agua, para mim, só tem mesmo uma utilidade… tomar banho, e esquecer o local do rio onde me disseram que tiravam a água.
Com a introdução de novos autocarros no centro da cidade, os candongueiros têm vindo a ser empurrados cada vez mais para as periferias. A polícia apertou bastante o cerco aos que cobravam preços especulativos ou que encurtavam as rotas habituais.
Ontem ao fim da tarde, numa paragem dos novos autocarros junto à Praça 4 de Fevereiro, que fica entalada entre o Hotel Presidente, o Palácio de Vidro, o edifício principal do Porto de Luanda e as obras da baía, assistia enquanto passava, a uma luta intensa para ganhar lugar no autocarro… a fila era enorme. O autocarro estava repleto de gente lá dentro; na verdade, era bem visível a inclinação do veículo; a suspensões estavam de rastos com o peso excessivo do lado da entrada…
Foi invulgar, observar um mar de gente a entrar numa porta com uns 50 cm de largura.
Praça 4 Fevereiro
O curioso disto tudo, foi observar que a entrada fazia-se à força bruta… ‘vi claramente visto’, pessoas em cima do autocarro, no tejadilho, a forçarem a entrada pela parte de cima da porta… enquanto uns entravam de pé, outros tantos metiam-se por cima deles na horizontal; tais tácticas motivavam ainda mais a confusão. Se o condutor resolvesse arrancar, levaria certamente de rastos umas boas dezenas de pessoas, todas elas entrelaçadas umas nas outras.
O funcionamento das coisas em geral é muito débil… um europeu não questiona determinadas coisas, nem imagina que uma sociedade se organiza em função da informação que uns e outros se prestam mutuamente.
No fim de cada mês recebemos uma carta da EDP, outra da TVcabo, Telecom, Extractos Bancários, etc… nessa altura ficamos a saber o que pagar e quanto pagar. Pois bem, em angola, não existe correio ou não funciona. Se quisermos pagar uma conta temos de mandar o motorista pelo meio do transito estupidamente caótico, percorrer as capelinhas todas para saber simplesmente os valores a pagar. Se surge uma dúvida no montante, o melhor é esquecer… é sempre preferível pagar logo.
Nos bancos as filas são de uma dimensão que nos fazem perder horas só para saber se determinada transferência foi realmente feita.
É frequente que a pessoa atrás de nós nos diga ‘ tou ná tua trás, yá?’ ; tal expressão quer dizer que o tipo vai fazer a sua vida enquanto estamos na fila e quando regressar vem ter comigo e eu devo dizer que sim, que ‘ele estava ná minha trás’…
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2 comentários:
A bem dizer isso é a pontinha, pontinha do iceberg né?
Deixa que há malta lá da nossa terra que vem visitar os putos e leva comentários do género: "Eles lá é que estão bem!", "Aquilo é tão bonito e eles gostam tanto." e por aí fora.
Lembras da música "Só nós dois é que sabemos..."?
Ouve Ricardo, não somos nenhuns coitados não, mas ninguém consegue sequer imaginar o que a malta passa aqui, nem com essas leves descrições. Eu pelo menos nem tento explicar.
“Uma foto vala mais que mil palavras” Depois desta visita a Angola deixei de acreditar nesta máxima. Para ver o que isto é tem mesmo de ser como São Tomé. É preciso ver para crer !! Rori
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