sexta-feira, 5 de julho de 2013

A deslisar, sempre viscoso, qual caracolinho da Casa do Além



Cansado de remar contra a maré, decidi ser pluralista. Quer isto dizer que em cada dia da semana serei sua coisa. Passo a enumerar...

À segunda-feira:
Adopto uma postura juvenilmente nacionalista. Com tatuagem e piercings a rigor, hesitarei entre dedicar-me à criação duma espécie de rafeiro lusitano com pedigree ou uma variante espirituosa de tuga peregrinus, em romaria pelo melhor dos mundos. No pior dos casos, ultrapassarei o entorpecimento ancestral dos brandos costumes, elaborando cargas homicidas ou raides punitivos contra a claque do clube rival, ou daquele que estiver mais a jeito nesse dia.

À terça-feira:
Serei marxista-leninista-stalinista.
Acharei bem que se mate, interne ou dê sumiço a quem não concorde comigo porque põe em risco a revolução e o caminho para a redenção humana. Morrem, são lobotomizados ou evaporam-se por uma boa causa e o que conta é a intenção. Os fins justificam os meios. Ámen.

Às quartas:
Serei democrata-liberal, de manhã; e democrata-neoliberal, à tarde. Tecerei louvas ao indivíduo e prostar-me-ei, às toladas e vénias, virado para Wall Street, em vassalagem ao Alá-El-Mercado e à pedra negra da Sociedade Anónima. Nada de pegar em armas: apenas calculadoras, telemóveis e portáteis. As armas, abençoadinhas não obstante, apenas as venderei para que outros se matem. De preferência pretos, árabes, chinocas, SLB’s ou quaisquer dessas escórias que não o branco anglófono made em Harvard, Yale ou Oxford e a sua corte internacional de cheira-cus e beija-(B)rabos. Aproveito a confusão para mandar matar também alguns, cada vez mais, muito maus, que se opõem à redenção da humanidade pelo Milagre do Mercado, e vou sacando matérias primas e mão-de-obra ao preço da uva mijona.

À quinta-feira:
Serei democrata-cristão. Militarei sob um permanente estado de espírito esquizofrénico: a minha metade liberal, qual Caim belicoso, tentará matar a outra metade devota; a parte de mim que venera Mamon, arma emboscadas à minha parte que louva a Deus. Durante o dia, aproprio-me o mais possível; durante a noite, em sonhos distribuo. Pelos lençóis.

À sexta-feira, hoje portanto:
Serei da esquerda evoluída, lacoste. Só matarei embriões e tipos vegetalizados em camas de hospital. Em suma: coisas que não se possam defender. Pensarei também, muito, nas indumentárias, maquilhagens e penteados que melhor se adequam à próxima manifestação: aquela em defesa de facínoras, psicopatas e serial-killers, coitados, que o sistema fassista quer condenar à morte, no Texas ou na Cochinchina. No fundo, serei uma espécie de marxista-leninista desóssado. A deslisar, sempre viscoso, qual caracolinho da Casa do Além (os melhores do país, passo a publicidade), de corninhos retrácteis e a causa às costas.

Aos sábados:
Serei republicano laico e progressista. Aqui é muito simples: comer e buber, ó terrim-tim-tim, passear no mundo. De manhã, à tarde e á noite. Às expensas do erário, evidentemente.

Ao domingo:
Serei conservador. Vou à missa, comungo e confesso todos os meus pecados. Dou banho à alma. Sou absolvido e recomeço tudo de novo. No meio de tudo isto, é importante conservar os escrúpulos e a consciência distraídos com qualquer coisa.

Agora não me venham dizer que não sou um gajo moderno.
Se isto não é ser moderno, então não sei o que seja. E duvido mesmo que tal disparate exista.

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