quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

… ás vezes sinto-me uma gaja jeitosa…

Ao longo do passeio da marginal de Luanda deambula uma chusma de gente… serviços bancários, telecomunicações, seguros, restaurantes, agencias de viagem, informática, ocupam os edifícios e lojas da marginal.
Sentados à frente de cada loja há sempre um segurança, com a sua kalashnikov na mão, e por baixo das arcadas que se estendem de uma ponta à outra da baía, vários vendedores e vendedoras, lutam pela vida oferecendo a quem passa de tudo um pouco… rebuçados, chicletes, muita fruta, revistas, jornais, sandes, engraxadores, relógios, telemóveis, gravatas, fatos, sapatos… enfim, temos acesso aos mais variados artigos, e frequentemente detenho-me para ver os cabeçalhos das noticias dos jornais ou ver se algum filme pirateado interessa…

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« pai grandi lévá ésti, mil kwanza… » eles incentivam
Normalmente, seduzem-me a comprar dvd’s, digamos, ‘educativos’… devem achar-me com cara de consumidor profícuo e apreciador daquele tipo de arte… e mostram-me insistentemente todo tipo de artistas em todo tipo de posições e de todos tipos de cor… eles lá sabem… 
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Devidamente espaçadas ao longo do passeio da marginal, e quase sempre aos grupos de três, a minha passagem quebra a conversa das mulheres que vendem ‘saldo’ vestidas com túnicas africanas de cores fortes e um espécie turbante na cabeça… seguram num dos braços uma série de cartões, o ‘saldo’, que nos permite carregar os telemóveis… a minha passagem despoleta nelas a oportunidade de venda e mandam-me beijos seguidos e repenicados pelo ar, e esfregam dois dedos a indicar o gesto universal do dinheiro… ás vezes sinto-me uma gaja jeitosa a passar em frente de uma obra qualquer…
… mas não, os beijos que me enviam dizem-me que têm cartões de ‘saldo’, o gesto dos dedos que posso com elas cambiar dolares por kwanzas… é apenas uma forma de chamar a atenção.
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Mais à frente vejo livros didácticos… ‘englês para iniciados’… vários livros estendidos pelo chão em cima de um lençol branco… a vendedora sentada no chão encostada ao pilar… e os miúdos, nus, entrelaçam-se no meu passo … atrapalho-os nos primeiros movimentos, cambaleantes, de quem está ainda aprender a segurar-se em pé… e seguram, quase todos, uma bola pequena cheia de água, feita de um saco de plástico transparente e aonde fazem um esguichante furo pequeno, qual biberão, por onde mamam sofregamente…

Anyway, aquela gente já me conhece… doutô ou pai grandi… alguns já chamam pelo meu nome, sem que alguma vez lho tenha dito… e fazem uma festa quando venho cá fora respirar o fumo de um cigarro…
… prometo roupas a um, permito lavar o carro a outro, uma nota a este, outra aquele, os sapatos frequentemente limpos, um isqueiro que não tenho, umas estórias, umas bocas…  

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1 comentário:

Anónimo disse...

Esse assédio, numa cidade gigantesca e distante, é também um sinal de que não estás só!Às vezes é preciso sentirmos que não estamos sós... e alguns até já te conhecem...somos todos humanos. E é a prova de que, onde quer que estejamos,deixamos a nossa "pegada"!Fica a saber que deixas sempre rasto da tua passagem, todos os dias, desde que nasceste até ao fim dos tempos...X