domingo, 20 de julho de 2008

Já não me apanham com essa cantiga ...


Sua reverência, o sr. primeiro-ministro, licenciado em engenharia, com destacada nota de curso na disciplina de inglês técnico, tão apreciado no seu pais pelos enormes feitos realizados em prol da melhoria do nível de vida do povo português, fez o obséquio de visitar Luanda, capital do país que certamente lhe tem servido de bom exemplo.

Julgo mesmo que, por este caminhar do estado das coisas, Portugal tornar-se-á brevemente numa espécie de Angola europeia, tal é a admiração que o sr. eng. nutre por este país. As semelhanças até já começam a fazer-se sentir.

Discursou na FILDA (feira internacional exposições) onde o pavilhão de Portugal se fez destacadamente representar por algumas empresas nacionais; encontrei lá portugueses, de braga, amigos meus, que lá foram para ver se ‘chove’ qualquer coisinha, “é que a coisa em Portugal está … digamos …negra …”.

Estavam desiludidos, não pensaram que a coisa fosse assim … como é na realidade. Iludidos pelo que se fala em Portugal, pensavam tratar-se do el dourado … da nova esperança …enfim.

O caminho entre o aeroporto e a FILDA foi elucidativo, disseram, três horas de filas em estrada de terra esburacada que atravessa uma zona infindável de nojeira absoluta, barracas, esgotos, lixo; e pronto foi o suficiente para os fazer repensar.

Está pois comovido ( o sr. eng.) com a melhoria no crescimento económico deste país, ímpar no mundo, ele disse.

Fiquei a saber o que é que o nosso primeiro-ministro considera um modelo de desenvolvimento, e devo depreender que ele achará ainda não ter feito tudo para que o rosto dos portugueses seja, assim tão ‘feliz’ quanto o dos angolanos.

Estamos desejosos por tal felicidade, mas lá chegaremos sr. eng., lá chegaremos com o seu engenho e a nossa complacência.

A visita de tão proeminente figura do estado português, nada teve a ver com a FILDA, ao contrário do que oficialmente foi anunciado. Digamos que esta exposição não mereceria tal maçada.

Mas enfim… a verdade é que o bpi recebeu guia de marcha de angola, o millenium a mesma coisa, a cimpor já tinha recebido … e o sr. eng., qual relações públicas dessas empresas, veio a Luanda, para ver se, pelo menos, consegue que não nos tirem a roupinha interior.

A verdade é que aquelas empresas foram ‘tomadas’ pela economia do estado angolano; fizeram-lhes uma ‘oferta’ que não podiam recusar. Munidos do ouro negro já compraram 9% do Millenium Portugal, maior banco privado português; têm a tv cabo na mira … já agora podiam aproveitar e levar também o slb, digo eu.

Na verdade os dirigentes deste país, e com toda a legitimidade, querem colonizar o país que os colonizou; isso sente-se, respira-se essa vontade, e o povo gosta. Se ainda por cima vem cá o sr. eng. e dá rasgado elogio ás politicas do governo, pois melhor ainda, até dá jeito para as eleições de 5 de Setembro próximo.

Sexta-feira, 12h resolvemos então ir á FILDA ver o que se passava; rumamos desta vez a norte, pela estrada de ‘viana’ de angola, cerca de 10 km; chegamos lá quase 4 horas depois; fresquinhos e relaxados; pelo caminho respiramos o mais puro ar, desfrutamos das mais belas paisagens, fiquei convencido a fazer novamente aquele percurso, confesso.

Conheço metade da cidade de Luanda, o ‘sul’, agora o ‘norte’, mas ainda tenho esperança no sentido rumo a ‘Este’. Em todo caso, tenho por adquirido de que encontrarei um local apetecível, rumo a Oeste.

Hoje, resolvi dar uma voltinha, como sempre faço, pela marginal; logo apareceram os meus amigos; miúdos simpáticos, que ganham a vida a vender coisas da mais variada espécie, a lavar carros, a engraxar sapatos, enfim a lutar pela vida.

Hoje consegui engraxar os sapatos apenas uma vez; á boa maneira antiga têm uma caixa de madeira pequena com todo material necessário onde se coloca o pé e toca a engraxar; normalmente, ou melhor, quase sempre, não tem troco …”é o priméro sapato que faço óje patrão, num tem troco” ; os malandros já não me apanham com essa cantiga, é que já não sou assim tão ingénuo; em todo caso faço-me de ‘tótó’ e dou-lhes sempre o troco; se pedem 50 kw dou-lhes 200 kw e pronto lá servirá para ganharem mais qualquer coisa extra e que tanta falta lhes deve fazer. Todos os Tugas me dizem para não dar nada, por isto e por aquilo, mas não tenho remédio, sinto necessidade de o fazer;

Depois é a disputa por tomar conta do carro; aparecem quatro ou cinco; “ eu vi primeiro doutô …”; outro argumentam com a inépcia do colega “ele não toma cónta vai já bázá ..”; outros ainda dizem “doutô á mim inda não déu …”; bom confesso ser tarefa difícil averiguar e ponderar todas as razões individuais dos miúdos; sinto-me um juiz a decidir sem provas; mas lá vou dando a este e áquele, á vez, e em conjunto; esfolam-me vivo essa é que é a verdade.

Mas gosto sinceramente deles; um rapaz para os seus doze anitos e que até era parecido com o mantorras, jogador do clube quarto classificado do campeonato português, ficou de trazer uma bola para eu ver como ele era bom, “gostava di jugar na álemanha …” ele disse; espero nos próximos dias uma verdadeira demonstração de habilidade futebolística do miúdo; parece-me que vão aparecer uns vinte para a demonstração; vai uma aposta?

“doutô, num fica muito tempo lá no computadô fais mál, fica nervoso…tem que ir com calma”, esticou os bracitos. Pois não é que o miúdo tem razão, neste país é obrigatório ter paciência e esperar, esperar, esperar; “nada é tão urgente que não possa esperar um mês”.

“então mas jogas em algum clube de Luanda, ou quê…se queres ir para a alemanha jogar… tens que treinar muito, num clube” eu disse. “nã doutô num tem tempo … quero ir para a alemanha”.

Todos estes miúdos sonham e alguns, poucos, lá conseguirão um dia realizá-los. Têm que ter sorte, como de resto para tudo na vida é necessário ter.

Aprendi outra coisa importante, esperar. Simplesmente esperar. Devo dizer que tenho desesperado, mas começo a adquirir aos poucos o ritmo das coisas. Desde que cá cheguei, e já lá vão 14 dias, tenho pedido uns simples extractos bancários para ver se começo por algum lado; pois não é que ainda não vieram; como os correios não funcionam, tem que se mandar lá o motorista.

Num dia normal o motorista sai ás 14 horas vai ao banco e só chega ao fim da tarde, perdido no caótico transito; como tem outras tarefas a coisa não tem sido possível; ao terceiro dia sem extractos mandei uma ‘boca’ á chefe administrativa aqui do tasco, ao terceiro e quarto a mulher desapareceu, não a vi, ao quinto dia pedi-lhe novamente os extractos, ao sexto a mesma coisa, ao sétimo já estava a ferver, ao oitavo estava decidido a manda-la pró … até que ao décimo segundo comecei finalmente a perceber o problema; é que ao mesmo tempo que pedi extractos pedi também outras pequenas coisas, e claro baralhou, nunca mais a mulher se lembrou do extracto, nem do c… mais velho, nada. Estou curioso para saber qual vai ser a próxima desculpa.

Aqui temos que fazer um pedido único por mês, e durante esse mês insistir sempre, pedir muitos extractos, mesmo que não precise deles, até a coisa ser interiorizada; só depois de bem solidificado esse conhecimento, então sim, podemos partir para novo pedido.

Uma das desculpas mais usuais para faltar ao trabalho é o estado de luto; ou é o irmão, ou o primo ou o tio; aparecem lá com uma camisola preta estampada com a palavra ‘saudade’, e pronto toca a sair. Os funerais, ao contrário de Portugal, proporcionam uma oportunidade de participar num banquete, é simplesmente uma questão cultural. Nada contra.

O meu motorista foi ao hospital, porque de noite, entrou uma areia para um dos olhos; já não aparece á dois dias. Por mim até foi bom, aproveitei para praticar condução, em versão angolana.

O problema é estacionar, pois os miúdos, não me largam, não há parques e o carro tem que ficar em terceira linha. Peço aos miúdos para me avisarem assim que houver um buraco para meter o carro, esfolam-me mais uns kuanzas, mas quando a coisa começa a ficar preta, quando alguns carros querem sair e não podem, a coisa começa a tomar proporções grandes, os miúdos vão-me avisar ao escritório, e resolvo o problema, colocando o carro em segunda fila.

Chegar á primeira linha é a minha grande ambição de todos os dias.

Estou convencido que quando se fala em transito caótico, as pessoas pensarão num tipo de transito semelhante ao de Lisboa em hora de ponta; mas não não, não é esse tipo de transito, é por exemplo ir numa estrada com duas faixas para cada lado e de um momento para o outro ter que parar, estancar o carro porque vem todos na mesma direcção contra mim, utilizando as quatro faixas integralmente num só sentido; é claro que de repente tenho uma fila de carros á minha frente contra mim; ficamos todos parados, os candongueiros esgueiram-se por todo lado.

Em todo caso já aprendi a meter o carro á má fila; a técnica é encostar o carro até um cm de distancia do próximo, meter a frente e não deixar ninguém se meter, venha ele da direita ou da esquerda, tendo sinal verde ou vermelho, comigo, agora ninguém entra ‘carágo’.

Começei por usar uma técnica defensiva pôr-me totalmente á direita, os gajos passam pela esquerda e apertam-me até eu ter que parar; adoptei depois a posição á esquerda, passam todos pela direita e na corrente não consigo sair para lado nenhum; tentei esperançado adoptar á táctica mista, colocar-me no meio, e consoante o rumo da coisa optar por um dos lados; nenhuma técnica resultou, era sempre cilindrado; comecei recentemente a usar a técnica angolana do cheguei primeiro; não interessa se lá cheguei por cima do passeio ou em sentido contrário, interessa é meter a frente primeiro, apontar o carro, obrigar os que se apresentam pela direita a suplicar para entrar e mesmo assim não os deixar passar.

Quando penso que ganhei uma posição numa rotunda para a qual já ninguém consegue passar pela direita, o passeio é tomado e forma-se nova fila paralela á minha; isto é o dia-a-dia, sem qualquer exagero.

3 comentários:

BibaRita disse...

14 dias e parece que foi ontem...
Luanda não precisa concerteza de inginheiros do calibre do nosso 1º mas lugar de destque por terras angolanas ele tem!

Força tio!

PS: gostei especialmente da musica do slide ta fantastica da para escorregar a lagrima ;)

Anónimo disse...

Agora é que vou arrumar o jipe e os raids!Ou vou contigo ou mais ninguém me leva!penso em ti todos os dias, mano mais novo!Tas fino!Boa!

Anónimo disse...

caríssimo Ricardo, espero que estejas já bastante adaptado a esse maravilhoso clima, e colaborar para o teu sucesso nessa antiga terra lusitana, onde ficou muito suor, lágrimas e sangue, de nossos antepassados bem recentes.
Que pena que não se seguiu o sonho de Salazar, hoje com certeza éramos senhores e não escravos de uma economia galopante e promissora.
Quem sabe venças as saudades dos que por cá ficam, e com lágrimas te permitiram partir. Porque sabem que és um vencedor, e apostam em ti com um preço tão alto como o da ausência diária. E lembra-te que um “vencedor nunca desiste, um desistente nunca vence”.
Um abraço
Bárria