sexta-feira, 25 de julho de 2008

… véndí pau di cabinda …

Tudo na vida é subjectivo … tudo na vida é uma questão de perspectiva.
Os meus pontos de referência alteram-se todos dias; vou conhecendo novas situações, novas experiências, novas realidades; as coisas começam a tornar-se um hábito; começo a relativizar algumas situações.
Assim vou ganhando, dia após dia, o hábito de ver as coisas como elas são; a comparação entre as diferentes condições de vida, vão-me dando conhecimento de outras realidades; subalterno umas, relativizo outras, engrandeço ainda outras.
Porque conheço, tenho agora como ponto de referência outros valores; a minha perspectiva das coisas mudou, definitivamente;
A miséria a que se assiste, embora real, é de subjectiva apreciação, depende da perspectiva, da referência, do conhecimento e do hábito de cada um.
Imagem020 Imagem006
Tenho assistido com muita atenção a tudo o que se passa nesta cidade única, luanda; do percurso para o trabalho aproveito para ver e assistir a tudo; não quero perder nada; o dia-a-dia das pessoas; esta cidade fervilha de vida; este povo tem uma capacidade notável para viver e sobreviver.
É bom recordar que a guerra passou por esta terra á muito pouco tempo, uns cinco anos; trinta e cinco anos de guerra civil; se juntarmos ainda os anos de guerra colonial, talvez uns dez anos, este país viveu em estado de guerra durante quarenta e cinco anos; estes anos todos transformaram a paisagem, as construções, as condições de vida, enfim as pessoas.
Mesmo assim mantêm a esperança, sonham, vivem e sobrevivem como ninguém.
Toda gente vende qualquer coisa; nas filas dos carros vendem de tudo, desde aspiradores, martelos, rádios, fatos de homem, bombas de gasolina; nas bermas dos passeios é frequente ver-se quatro ou cinco mulheres, vestidas com cores fortes africanas, a vender fruta tropical ou peixe; nos passeios da marginal, vendedores de revistas e jornais, de sandes, engraxadores, lavadores de carros; tudo está em movimento; àquela hora os míudos em idade escolar são às paletes, todos vestidos de igual, todos com aspecto bom, de criança, felizes da vida.
Imagem000
Passo pelos mussekes, vejo milhares de pessoas, crianças a jogar á bola, a brincar com a ‘água’ nas valetas; “oh rapaz, não brinques nessa água, tem doenças ... cólera” parei o carro e gritei. “Ah num fais má … o patrão é du benfica …?”, ele perguntou. “intão é boavista..?”. na verdade pensei “o mantorras e o zé calanga são os culpados disto”. “não pá … sou do campeão”, eu respondi. “é du porto …eu támém…eu támém… mais só tenh esta cámisola du boavista”. “Está bem grande portista, menos mal, um dia trago-te uma assinada pelo quaresma, agora vai lavar essas mãos …”, eu disse.
Imagem002
Os candongueiros, táxis de luanda, são às centenas, transportam o povo em carrinhas toyota de uns dez lugares; andam sempre acelerados, cheios de pressa; ouvi dizer que os motoristas são obrigados a fazer 150usd por dia, ou seja têm que entregar ao patrão aquela quantia, o que fizerem acima daquele montante, fica para eles, e isso faz com que transportem as pessoas com a maior velocidade possível; fazem de facto manobras dignas de assistir. A maior parte deles está num estado … bem, só visto;
hoje passei por um taxi candongueiro cravejadinho de balas; pareceu-me terem já algum tempo, a julgar pela ferrugem dos buracos, mas não sei não!
De regresso a casa, o tráfego é substancial, ‘in my rear view mirror’ uma ambulância desesperava para passar; ninguém facilitava muito; uns centímetros para a frente e tal, mas nada de abrir muito; eles lá sabem …; quando passou por mim, trazia atrás uma fila de gajos a aproveitar a brecha…; logo se gerou uma confusão monumental, ao terceiro aproveitador os meus colegas de fila atravessam-lhes os carros á frente, uns de lado outros de frente, outros esquinados, enfim tudo bloqueado.
Quanto a mim, optei pela via verde, carro no passeio, uns bons trinta metros, e passei a confusão; mais á frente perto da zona portuária, um camião enterrado no meio da estrada; caiu num buraco com um metro e meio; a traseira estava no ar e a frente mergulhada; magnifico.
Aprendi que nas estradas, os buracos podem não ter tampas.
“doutô já comeu funxi com muamba?” perguntou o motorista Nelson. O facto de ainda não ter comido aquelas coisas, e ser hora de almoço, fez-me crescer um desejo ardente de comer aquilo que conheço e que tanto gosto, lá de casa;
“doutô tá vendo áquela mulhés áli no passeio … véndí pau di cabinda … sabi o que é?” ele perguntou com um riso de orelha a orelha. “quando tivé 40 anos vô tomá … “ foi dizendo.
Aquele número de certa forma incomodou-me, ecoou-me no cérebro, qual sineta a assinalar a última volta na pista; “épá ó Nelson, então … quer dizer… eu tenho 39 anos … e dizes tu que que só tenho uns míseros meses de … digamos … boa saúde …” eu disse. O motorista Nelson soltou uma gargalhada estridente durante pelo menos um minuto.
“nã doutô … bem doutô tauvez não, só aos 45 anos ou mesmo aos 50” consolou-me ele; menos mal, menos mal.
Mesmo sendo uma pessoa informada e com uma saúde de ferro, estas coisas não deixam de perturbar um bocado; é que há brincadeiras e brincadeiras….
O Nelson estava imparável, fazia anos, feliz da vida; “doutô sabi como se concórri a um concurso público em Luanda? … são apresentadas três propostas ao funcionário público, o chinês aprisenta 3 milhões, poix um milhão para o material, um milhão dji mão-de-obra e um milhão dji luuucro, … depois vem o português e dá 6 milhões, são dois de mão-de-obra, dois de material e dois de luuucro …, finalmente o angolano dá orçamento de 9 milhões … eita tanto dinhéro, diz o funcionário público”, disse o Nelson a rir-se “; continuou “3 milhões para si ( funcionário publico), 3 milhões para mim, e 3 milhões para o chinês fazer o trabalho” ele concluiu.
A boa disposição do Nelson era bem patente; mas aquele bem estar trazia água no bico; “ah … douto dá para você mi dispensar amanhã … vô fazer a festa di anos …e… podji sê” ele perguntou;
Lembrei-me do que os tugas mais experientes nestas lides me disseram “épá segura os gajos, se não eles abusam”.
Em todo caso achei ainda não ser altura certa para disciplinar o rapaz e em boa verdade apetece-me andar a conduzir sozinho; e depois há certas coisas que só se sabe havendo um certo ‘bem estar’ do motorista; relata-me tudo o que se passa na empresa, ao nível do pessoal, do que dizem, dos segredos que só eles sabem, das práticas de uns e de outros; verdadeiras crónicas do ‘cochixo’; gosto de manter-me bem informado.

3 comentários:

Anónimo disse...

Adorei!continuo fascinada!já é vício ler as tuas crónicas.Mas como deixei de fumar...um viciozinho assim...é delicioso!
Beijão

BibaRita disse...

Adorei o teu angolano! Tio eu rio-me tanto qd leio os post! Mas este ta demais! E o Nelson deve ser a maior "peça"!!
Vai escrevendo que aki a familota ja nao passa sem as tuas cronicas tao entusiasmantes!!

Beiju TIO!

Anónimo disse...

Percebes agora por que razão quem aí viveu não pode esquecer e deixar de sentir uma nostalgia permanente.
Força, porque vai correr bem.Se fores ao Huambo, tira umas fotos para mim.Tens de conhecre o último album do Represas que tem uma música chamada "Tenho saudades de Angola". Aguenta firme. Bj. Bé