quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Monogamia

 -Monogamia-


Braveheart- Estava aqui a pensar com os meus botões. 

Ricardo- sim, e o que te disseram eles?


Braveheart- Não me disseram, eu é que, olhando para a natureza, a bicheza em geral, fiquei a matutar em que altura o Homem se tornou monogâmico.

Ricardo- creio que foi sempre, não foi?


Braveheart- Pois, não. 

Ricardo- Não? 


Braveheart- Na verdade o Homem tornou-se monogâmico com o advento da agricultura propriamente dita, aquela trabalhada sobre uma propriedade.

Ricardo- então, mas antes do sedentarismo que levou o Homem a produzir na terra o pessoal não era monogâmico?


Braveheart- Não. O pessoal tornou-se monogâmico como resultado da agricultura e da propriedade. Para a trabalhar era necessário protegê-la e criar condições de habitabilidade, bem como estabelecer ritmos de alimentação regulares.

Ricardo- como assim?


Braveheart- vê bem, a partir do momento que tomavam conta duma propriedade, tinham de trabalha-la para que ela produzisse. Para isso tinham de ter filhos. Muitos. Quantos mais tivessem mais mão de obra terias para a manutenção da terra.

Ricardo- ahh então era por isso que tinham muitos filhos, às dúzias?


Braveheart- essa é a razão determinante, mas não é a única. Lembra-te que não havia meio de contracepção. Mas, na realidade quantos mais filhos tivessem mais prosperidade teriam.

Ricardo- pois, e então?


Braveheart- com terra a ser trabalhada pelo agregado familiar, a propriedade estabelecida, haveria de ter a certeza de que aquelas pessoas que lá trabalhavam e eram da família ficariam com os bens por herança no caso de morte dum dos progenitores e não que rumassem para outro melro qualquer. Por essa razão se procedeu à união em forma de casório, que é uma forma simbólica de dizer à comunidade que aquelas terras são da família e, também, de comprometer o agregado familiar à propriedade. Para que não restassem dúvidas os nubentes tinham de ser anilhados com uma aliança, para a freguesia ver. Na Índia não anilham mas pintam a testa.

Ricardo- então, eu pensava que isso ocorria porque duas pessoas se apaixonavam loucamente e queriam muito estar juntos.


Braveheart- não te concentres na árvore. Mira a floresta. É claro que há paixões e amor mas, na génese da monogamia está o interesse de propriedade.

Ricardo- caraças pá, só tu para me tirares a ideia dum mundo idílico onde prevalecem sempre os valores do amor e da paixão.


Braveheart- lamento. Não quer isso dizer que não casassem por amor e paixão. Na prática, na maior parte das vezes, os casamentos eram combinados por interesses. Os pais escolhiam os maridos das suas filhas através de acordos com os pais da contraparte. Nos casos comuns era do interesse daquele que produzia batatas juntar o seu filho com a filha daquele que produzia cabras. Nas esferas mais elevadas, na realeza, a coisa corria nos mesmos termos, mas a uma escala territorial mais abrangente e com interesses diplomáticos pelo meio. A maior parte dos casórios os nubentes nem se conheciam. 

Ricardo- horrível


Braveheart- não penses assim. As coisas eram assim porque não podia ser doutro modo.

Ricardo- então, mas não podia ser como hoje ocorre?


Braveheart- não. Não podia. Naqueles tempos não havia lugar para 'quereres'. A sobrevivência dependia dos acordos entre pais. Não é preciso ir muito longe...

Ricardo- humm não!? Não me lembro de alguma vez ter visto isso.


Braveheart- não te lembras porque és totó. Ainda na década de 60 em Portugal o sonho duma boa mãe era colocar a sua filha de 12 anos a viver na casa duma senhoria como empregada doméstica.

Ricardo- o sonho?


Braveheart- sim, o sonho. Quando se tem muitos filhos e não há alimento para todos, só há duas soluções. Fazê-los emigrar ou empurra-las para famílias mais abastadas. Normalmente os rapazes emigravam, as raparigas iam para empregadas domésticas. 

Ricardo- é, realmente agora estou a recordar. Os meus tios tiveram uma empregada que teria uns 12 anos. E a minha mãe teve outra que pouco mais teria. Olhando assim, parece feio e...


Braveheart- mas não foi. Feio. Pelo contrário. Era uma obra de caridade acolher essas meninas. Por mais voltas à moral que queiras dar, em situações de emergência, a solução óptima é aquela que pode garantir a sobrevivência.

Ricardo- agora até me deixaste mal disposto. Não acho isso certo.


Braveheart- não achas tu, nem ninguém, quando analisada a história com os olhos de hoje. 

Ricardo- então, mas a dignidade humana e os valores têm tempos?


Braveheart- claramente. Há mil ou até mesmo há trezentos anos atrás ter escravos era normal e natural. Aos olhos de hoje isso é inadmissível mas, na cultura de então, certos direitos eram ganhos em certas situações. Por exemplo, se um país invadisse outro e ganhasse a guerra tinha direitos vários.

Ricardo- mas não sobre a dignidade das...


Braveheart- principalmente direitos sobre os vencidos. Direitos de propriedade sobre os vencidos. Uns eram escravizados, outros eram colhidos para diversas funções. As mulheres por exemplo eram levadas para os vencedores da guerra, os homens para escravos.

Ricardo- não estou a gostar muito deste tema, oh braveheart. Mas afinal o que é que isto tem a ver com monogamia?


Braveheart- está tudo ligado.

Ricardo- então explica lá de que são feitas essas ligações.


Braveheart- por natureza o Homem é poligámico. Como os macacos. As fêmeas macacas têm, segundo o artigo que li, cerca de seis parceiros diferentes por mês.

Ricardo- ah caraças.


Braveheart- mas não é isso que importa, pois há vários casos de animais com comportamentos monogâmicos. Não muitos, mas alguns. O ser humano segue a mesma linha.

Ricardo- desculpa lá, mas aquilo que eu vejo é o contrário. O pessoal a casar e a escolher um parceiro ou parceira 


Braveheart- tu contínuas a ver arvore. Pensa bem, nas sociedades ocidentais, aonde há estatísticas fiáveis, os divórcios ocorrem em quantidades impressionantes. Em Portugal e na Europa a taxa de divorcio, face ao total, anda acima dos 50%. O que se passa é a natureza a impor-se, naturalmente. É o chamado monogamismo social ou monoganismo cíclico. Quer dizer, as pessoas são aparentemente fiéis ao companheiro da altura. Mas procuram, maioritariamente, novos parceiros ou parceiras. 

Ricardo- mas então não nos distinguimos dos macacos?


Braveheart-É, digamos um comportamento diferente dos macacos. Enquanto estes trocam de parceiros todos os dias, o Homem troca em ciclos. E dentro de cada ciclo, até o mesmo terminar em divórcio, há aventuras extra conjugais. Segundo a estatística, de entre os casados a taxa de infidelidade anda na casa dos 40%. 

Ricardo- estou banzado.


Braveheart- estás banzado porque em toda a regra há a excepção. 


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