- Pai Celeste- *
Padre- Então, meu filho, porque queres tu tornar-te católico?
Braveheart - Bem, padre... Estou a ficar entradote - vê a careca e os cabelos brancos!? - e, pelo sim, pelo não, convém acautelar a reforma celeste. Não descontei toda a vida, mas não poderia agora entrar num programa rápido de compensações e prestações caridosas por atacado?
Padre - Meu filho, a Providência Divina não é bem igual à Previdência Social, graças a Deus:
Braveheart - Pena. Todavia, olhe, para começar, acredito em Deus!...
Padre - Pois, meu filho, mas isso é irrelevante. Compete-te acreditar é na Santa Madre Igreja. É isso que faz de ti um católico. A Igreja é a concessionária estatal de Deus na terra. Fora Dela, não serás nunca um crente, mas um contrabandista da fé, um evadido aos impostos celestiais!...
Braveheart - Ah... já agora, escute cá, oh senhor padre: se somos praticamente da mesma idade, porque teima em aperfilhar-me? Não faria mais sentido chamar-me "irmão", ou "meu irmão"?
Padre - Não, meu filho. Esta fórmula paternal reflecte o facto de estar sacerdotalmente consagrado e representar aqui, junto de ti, através da Igreja, o Pai Celeste...
Braveheart - Odin?
Padre - Não.
Braveheart- Zeus?
Padre- Não, o Pai de Jesus Cristo!...
Braveheart - Hum, essa representação do tal Pai contundem-me um bocado com o sistema. Às tantas, embrulham-se-me todos.
Padre - Pois, meu filho, mas as regras são estas: tu falas comigo; eu falo com o bispo, o bispo fala com o cardeal, o cardeal fala com o Papa e Sua Santidade vai a despacho com os anjos, com os santos e, na melhor das hipóteses, com Nossa Senhora. Estes, depois, intercedem junto de Deus.
Braveheart - Padre, aprecio hierarquias. Por aí não há problema. Agora, super-crentes com super kits mãos livres telefónico celestial e auto-eleitos com deus às ordens nunca me fascinaram muito. Bem, olhe, passemos a coisas mais simples. Antes de ser católico, não haverá um qualquer programa de treino, uma ginástica espiritual, que me permita ganhar destreza e musculatura, de modo a facilitar o acesso à salvação?
Padre - Começa tudo pelo amor ao próximo. Tens que amar o próximo.
Braveheart - Comprendo, dado que Deus está inacessível, e o anterior já não o amámos, começa-se pelo quem a seguir, o próximo, e vai-se paulatinamente por ali acima, até chegar ao Papa. Em todo o caso, ponderemos o próximo.
Então e se o próximo só ama honrarias, prepotências, bazófias, arrogâncias, desplantes, vaidades, mentiras, sacanices e coisas assim? Como vou conseguir amá-lo?
Pior, e se o próximo, sem aquelas nem aquel'outras, converteu o "conhece-te a ti mesmo" no "ama-te a ti mesmo", roncando que não precisa do amor dos outros para nada, pois já tem o dele todo, infinito e imenso?
Padre - Tens que amá-lo redobradamente. Para compensar as suas fraquezas e mundanidades.
Braveheart - Mas há-de convir que o sujeito não é nada amável. Amar aquilo é amar um calhau com olhos, um pedregulho ou amar um foguetão russo quase despencar sobre Braga (raios me partam se não davam jeito os três milhões de indemnização anunciada a ver se limpam o rio Este). Ainda por cima, é um próximo que se afasta cada vez mais de mim e só decreta e distancia entre nós muros. Ora, eu aí, estou como Swift: aquele que me põe à distância emocional eu agradeço muito por ficar longe de mim. Mas temos depois aquel'outro próximo que só ama o anterior ou quem, de algum modo, o favorece para tornar-se como ele. Se o outro é um penedo em acto, este é um Everest em potência.
Padre- Meu filho, tens que aprender e praticar a humildade. Não te compete julgar os outros, mas apenas amá-los. Deus julgar-nos-á a todos. Pois todos somos seres imperfeitos e carregados de pecados.
Braveheart - Para mim isso é pacífico. Acho muito bem. Encanta-me. O meu problema com o próximo é quando ele começa a agir como se não houvesse Deus no Céu e fosse ele o deus na terra - deus, papa e crente de si mesmo, ídolo itinerante de cegos, répteis e mentecaptos como ele! Isso eu não consigo amar. Consigo amar o Filho de Deus, mas não consigo amar enteados do diabo.
A falha, eventualmente, será minha: Mas é fruto genuíno dum dos dois neurónios que Deus me deu, e por isso, creio, lhe chamamos Deus, porque deu, não mos vendeu.
Padre - Que dizes tu, meu filho?
Braveheart- Vendesse Ele e não seria Deus, mas o seu oposto: Vendeus. Por isso, dar a outra face, ainda concebo, mas ven-dar ou vender a alma é que não. Como não troco o Ser pelo ven-ser. Não vale nada quem pensa que vale tudo; não é nada quem pensa que é tudo, uma frase feita que alguém cujo nome me escapa terá dito.
Padre - É humano o erro e o pecado.
Braveheart - Mas não é humana a pocilga. E eu julgava que Jesus nos tinha lavado a cara e posto de pé. Por isso quero ser católico.
Padre - Meu filho, ama o próximo e deixa a doutrina connosco. Vem à missa, reza e arrepende-te das tuas más acções e vais ver que, com o tempo, o horizonte fica menos carregado.
Braveheart - Sabe, padre, eu sou o mais imperfeito e inapto de todos. Está visto que tenho que percorrer um longo caminho. O próximo pôs-se a milhas; Deus retirou-se para as insonduras dos céus. Já percebi que isto tem que ser gradual, por fases.
Olhe, para já contento-me em treinar com o amor à minha mulher.
Padre - Tens de amar o próximo e não apenas a tua mulher.
Braveheart - e a do próximo também senhor padre. E depois, aos poucos, com muito amor com as do próximo, ainda acabo a vir à Igreja com elas. De preferência às horas em que um dos mais próximo cá não esteja a relambar-se de hóstias para encher a alma de misérias.
Padre - Estás em conflito contigo próprio. Queres o estágio para aceder ao paraíso, começa por te sentar na primeira fila da missa que amanha vou ministrar. E até te vou dedicar no sermão algumas Verdades.
Braveheart - Estar no fim teria algumas vantagens.
Padre- estás a progredir, os últimos serão os primeiros...
Braveheart- Nem mais, ir para a última fila talvez seja mais prudente.
Padre: Porquê?
Braveheart- se me desagradar a conversa a porta de saída é mais acessível. Já agora, posso levantar o braço lá do fundo quando o sermão dedicado a uma tal Verdade me suscitar alguma dúvida?
Padre - Claro que não meu filho. Ouves o que digo e rezas. Não levantas os braços.
Braveheart- Só consigo lembrar-me do conteúdo das orações com acompanhamento do resto do pessoal. Mas sigo-os até à segunda ou terceira entoação.
Padre- Não completas as orações até ao fim ?
Braveheart - Sabe senhor padre é tudo muito rápido e mecânico. Quando os fiéis chegam ao fim eu ainda penso no significado da primeira frase da oração. Depois começam outras orações para outras santidades e já nem consigo pensar no que estava a descortinar na primeira. Acabo irremediavelmente a avaliar os tetos e as pinturas e a observar alguns e algumas fiéis e depois mergulho num turbilhão de pensamentos. A maior parte só os posso contar em confissão.
Padre- Meu filho, a igreja não é local para pensares no significado de cada palavra de cada oração. Isso é para fazeres em casa, lendo os sagrados textos previamente. Na missa é suposto já teres lido e estudado os temas das orações.
Braveheart- Tem razão. A minha alma gêmea, o Ricardo, diz exactamente o mesmo. Mas ele, cá para nós que ninguém nos ouve, é um bocado coninhas.
Padre- o Pai celeste ouve tudo.
Braveheart - Odin?
* autor: (Braveheart)
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