quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Puta que pariu o Meniére

- puta que pariu o Meniére- 

 Braveheart- é impressão minha ou vens com cara de enjoado, com a auréola demasiado murcha?

 Ricardo- não é impressão tua, ando num verdadeiro estado de terror. 

 Braveheart- ah, lá estás tu com os teus exageros. O que de passa pá? 
Ricardo- talvez exagere, não sei os termos de comparação mas, é-me difícil viver sob ameaça constante.

 Braveheart- quem é que o cabrão que te ameaça? 
Ricardo- é o cabrão do Meniére. O síndrome de Meniére que me apareceu assim de supetão. 

 Braveheart- o que é isso?
 Ricardo- é uma espécie de doença sem cura cujos sintomas veem em qualquer altura, sem razão aparente, e desaparecem uns dias depois sem deixar rasto. 

 Braveheart- e que sintomas são esses? Ricardo- os sintomas são aterradores.

 Braveheart-- outra vez a exagerar!?
 Ricardo- pá, aterrador talvez não seja a palavra certa. A palavra certa para descrever o que sinto quando vêm os sintomas não existe. Para lá do terror não encontro outra palavra. 

 Braveheart- Fonix, mas é assim tão violento!? 
Ricardo- é como te digo, não conheci outros termos de comparação. Os que tenho são os que vivo e vivi. Aqueles que tenho numa crise aguda, que vai e vem, semana sim semana não, é descrito na internet como similar a um AVC. Como nunca tive nenhum, não sei bem proceder a uma comparação.

 Braveheart- mas o que sentes realmente? Ricardo- nessas crises periódicas, semana sim semana não, aquilo que sinto é como estar a morrer. Literalmente. Espero desmaiar a qualquer momento durante o fenómeno, ao ponto de estar com o telemóvel com um número pre definido na mão para clicar, caso pressinta que vou desfalecer. Enquanto decorre o evento sinto tonturas e enjoos terríveis, convulsões de vómito e um constante zumbido demasiado agudo e alto para o ignorar. Às vezes o zumbido estranhamente transforma-se no barulho duma centrifugadora de roupa. No princípio deste barulho, andei pela casa às procura dele. Às máquinas estavam desligadas. Depois pareceu-me que o barulho vinha duma máquina de ar condicionado dum cunhado que mora a uns 50 metros. Mas não. O barulho é gerado, afinal, internamente. Poucas vezes apanhei uma bebedeira na vida, talvez duas, daquelas mesmo à seria mas, se tivesse de descrever o que sinto, é semelhante aos sintomas duma bebedeira extrema, como nenhuma real que alguma vez tenha tido. Ou, como diz alguém que também tem isto, é como sair de dentro duma máquina de lavar a roupa depois de meia hora à rodar lá dentro a velocidade considerável.

 Braveheart- mas isso não são os sintomas daquele pessoal que enjooa nos barcos?

 Ricardo- são em tudo semelhantes e até têm a mesma origem na cabeça, no sistema de audição, na pressão e nos líquidos que correm nos labirintos. A diferença é talvez de intensidade e oportunidade. Os primeiros não andam de barco porque sabem ficar muito maldispostos, os segundos ficam maldispostos sem andar de barco.

 Braveheart- e o que fazes para debelar isso? Ricardo- nada pode debelar isto. Não se sabe se é crónico, parece que sim, mas não há cura. Há dois ou três ou quatro compridos que os médicos me receitam que dizem minorar os efeitos. Na realidade não creio que tenham efeito algum, excepto um, precisamente aquele que só posso tomar quando estou mesmo mal. Um corticoide qualquer que desincha a merda dos canais do labirinto auditivo. 

 Braveheart- se não têm efeito porque os tomas? 
Ricardo- bem, eu disse isso à medica que me assiste e ela disse-me. Não fazem efeito!? Então experiente não toma-los. Braveheart- e tu, claro, deixaste de tomar.

 Ricardo- pelo contrário. Aquilo que ela me disse é que se não tomar aqueles medicamentos a coisa pode ser ainda pior. Mas há realmente uma solução final para isto. Queres saber qual foi a resposta da médica? 
 Braveheart- sim, diz lá.

 Ricardo- foi assim, meu caro a única solução para resolver esse síndrome é operar. E eu disse-lhe, vamos a isso então e... 
 Braveheart- ahh então há cura.

 Ricardo- meu caro, continuou a médica, a operação é para destruir os sistema auditivo. Ficaria profundamente surdo e isso só se faz quando esses pacientes já estão surdos por natureza da doença que vai diminuindo paulatinamente a capacidade auditiva.

 Braveheart- quer dizer, caminhamos para a surdez e até lá vais tentando encontrar métodos que adiem as crises? 
Ricardo- sim, é isso. Tenho estado há meses sem comer glúten, agora reduzi drasticamente o sal. 

 Braveheart- ohh e aquela pizza maravilhosa do... e aquele hambúrguer do.... 
Ricardo- esquece. Só carne sem sal, peixe sem sal ( ,excluindo o salmão, a cavala e o espadarte não sei bem porquê), a lagosta também não, embora os camarões possam marchar. Salsa não posso, coentros posso. Feijão castanho não, preto e branco posso. Esparguete e pastas em geral jamais, excepto as sem glúten. Pão sem glúten, bolachas sem glúten também não pode ser porque não tendo glúten têm mais sal. Maioneses, ketchups esquece. Batatas fritas sem sal.

 Braveheart- Epá, já experimentaste ignorar tudo e mandar o síndrome dar a volta ao bilhar grande, é que pior do que aterrador não pode ser, não é?
 Ricardo- não quero nem pensar naquilo que está para lá do terror que já conheço. Tomando aqueles comprimidos conheço um certo terror. Não pretendo conhecer outra intensidade de terror. Não sei se me faço entender. 

 Braveheart- percebo mas, e o os teus o que te dizem? 
Ricardo- finjo estar com aquela cara de aborrecido para disfarçar o mal estar. Todos os dias. 

 Braveheart- estou mesmo a ver, fazes aquela nossa cara número três de...
 Ricardo- já não sei bem qual o número da cara que faço. Normalmente é me difícil discernir e conseguir qual a cara a fazer. Faço a que me é mais fácil. 

 Braveheart- cara de pau...
 Ricardo- De vez em quando, quando vislumbro melhoras, passo para cara de meio pau. 

 Braveheart- podias fazer não fazer, cara de pau nem meio pau. Ricardo- tento sempre não a fazer, até um cabrão dum sintoma leve me subir e fazer pensar que vem por aí sintoma pesado. 

 Braveheart- tens de conseguir conviver com isso. 
Ricardo- pois tenho. Mas ainda não consegui perceber os limites. Sem perceber os limites do suportável e sem perceber quando, como e porquê vão e vêm os sintomas, é-me difícil conviver. Viver é, per si, uma Graça ou uma benção. 

 Braveheart- ainda bem que estás nessa onda.
 Ricardo- bem, durante as crises esqueço-me de tudo, não vejo nada nem ninguém e concentro-me em manter vivo.

 Braveheart- isso, mostra a esse cabrão Meniére quem manda no nosso sotão. Ricardo- confesso, porém, que no zénit dos sintomas, naquele ponto em que já estou há muito tempo na luta e profundamente cansado, a minha concentração vai toda para Deus. Nesse momento, caminhando pelas trevas para o local mais profundo da amargura, naquele ponto em que parece que o pesadelo não tem fim, rogo a Deus nosso senhor que mande o raio de imediato.

 Braveheart- Fonix, isso chega a esse ponto. Ricardo- chega. E depois de conseguir dormir, como se nada tivesse ocorrido, na manhã seguinte acordo porreiro... até que volta e meia, um sinal aqui e outro acolá desenvolve-se e volta tudo ao mesmo.

 Braveheart- puta que pariu o Meniére. Ricardo- o lado hilariante e positivo disto é a experiência de estar no ponto alto dos sintomas. No zénit. Braveheart- hilariante, mas então não é o pior momento do percurso!? Ricardo- é sim, de facto, os fundos do buraco negro onde me vejo mergulhado mas, ao contrário do que eu pensava, lá no fundo do abismo encontro uma luz. Há um gene do meu pai Bravo perdido em forma de luz que me fervilha nesse momento e aparece em todo o seu esplendor e me incita como quem grita: Resiste. .

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