quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

Cheirou-lhe a papinha


Cada um deita a cabeça na almofada onde o cão enfregou  o rabo como e quando quer. Por mim até podem comer pelo mesmo prato e partilhar lençóis.


O que me incomoda verdadeirmente é a partilha do espaço público com a bicharada.


 Nos resturantes e cafés e nas praias. Na semana passada procurei o melhor caminho na praia por entre os cocozes de dois canídeos femeas membros duma família constituída por dois sapiens sapiens. O sapiens sapiens macho apercebeu-se da sujidade que o canídeo fêmea espalhava. Mijinhas em cada casca de amêijoa encontrada , caganitas pelo sargaço e bastantes lambidelas nos rabiosques dos primos que por ali deambulavam. Famílias inteiras na praia é um festim imenso. 


Ralhou com uma das fêmea. A filha mais nova. E até a ameaçou com o dedo em riste, como quem diz: da próxima engoles pela frente o que debitas por trás, sua malandreca queriducha do papá. Vai buscar a bola enquanto eu apanho o cocó e faço um buraco na areia para o esconder. Vai busca busca. Dá cá, larga, busca, vem, vai, agora o pau...


Não tardou muito e o filho fez o que a natureza o impele a fazer. Comeu um cocó perdido do dia anterior. Sem dó nem piedade. E lambeu-o com convicção.  Parecia gostoso, embora com aspeto ressequido, provavelmente detritos intestinais doutros primos, sei lá. O papá não viu. Eu vi.


Eu vi o papá a tirar a merenda dum saco. Tirou um bolo e encheu um copo com água, creio. O filho canídeo também viu. Largou a bola que segurava na boca e correu para o papá. Cheirou-lhe a papinha. O papá comia e dava pedaços com os dedos que o cãozinho lambia. Partilhou o copo com o filho onde este metia a língua para beber. 


Esta partilha de cocozes dissolvidos no copo e nos dedos que levam o bolo à boca, embora não me abra o apetite, é bem capaz de garantir sucessão às ténias e aos oxiuros entre espécies. Dum instestino para outro.


O meu único problema reside nos pés. Nos meus ricos e feiosos pés. Mexer neles ou massaja-los deixou de ser uma prática aconselhável na praia. Eu que gostava tanto de dobrar os dedos, especialmente o pequenino e o maior, até ouvir um estalido. Eu que gostava tanto  de pressionar a zona cavada do pé, vejo agora que, se o fizer, estabeleço imediata candidatura a receptáculo duma oxiuríase e assim aspirante a promover gerações de novos oxiúros que um dia chegarão a ténias.

Sem comentários: